segunda-feira, 17 de maio de 2010

Cognição animal e delírios de um DDA

Há umas semanas atrás discuti com uns amigos filósofos sobre cognição animal, e coincidentemente, há uns dias atrás vi um programa sobre o mesmo assunto.
Nele pesquisadores testaram diversos animais (gatos, cachorros, aves, roedores, macacos, e outros) para avaliar comportamentos e raciocínios tidos como exclusivamente humanos, sem o viés especiocêntrico.

Para quem tem um parente de outra espécie (o que não é o mesmo que ter um "bicho de estimação") as conclusões não foram novidade.

Na verdade, os estudos que foram além da avaliação puramente comportamental remontam o início da década de 90.

Se somos geneticamente quase idênticos a algumas espécies ditas "próximas" (macacos por exemplo) e muito semelhantes a espécies ditas "distantes" (moscas talvez), agora outra barreira foi por água abaixo.

Enfim, o que se concluiu, resumidamente, foi que saudades, afeto, violência em grupo organizada, divisão de tarefas para um objetivo comum (sem experiência anterior), ciumes, tristeza, punição à falta de ética (aqui representada pelo agir pelo bem comum) no grupo, emoções conflituosas no deparar com a morte, etc, não são exclusivamente humanos.

Meu conhecimento é meio precário, mas creio que essa divisão intransponível entre o humano e o "animal" remonta Descartes.

O interessante é que na Idade Média os animais eram julgados pelos seus crimes (um cão que morde seu dono, por exemplo, ia a julgamento) o que mostra um reconhecimento, ou aceitação, do raciocínio de outras espécies.

Roberto Marchesini em "Intelligenze plurime" (Inteligências plúrimas) e "Il tramonto dell'uomo" (O declínio do homem) coloca em discussão a centralidade do "homo sapiens", destacando como na esfera do "bios" não há hierarquias, mas sim especializações relativas aos contextos.

Essas discussões levam a outro patamar o direito dos "animais" e nossa posição no mundo.

Alberto Giovanni Biuso, professor de Filosofia da Mente na Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Catânia, na Itália, escreveu um artigo sobre as falhas e contradições do paradigma humanista:

"Mover-se rumo a um antropodescentramento do conhecimento significa, simplesmente, entender melhor a vida, tanto em sentido biológico como em sentido ético. São muitas as formas em que o antropocentrismo se expressa, do antropomorfismo, que tende a assimilar a cognição animal à humana, à reificação, que nega que nos animais não humanos haja inteligência. Em ambos os casos, é ignorado o fato de que a inteligência, é uma função biológica que - como a sensorialidade, a anatomia das artes, a digestão - se apresenta no universo animal de modo plural com uma multiplicidade de vocações e atitudes não sobreponíveis entre si".

Acho muito interessante filósofos modernos estarem discutindo sobre outras bases, ou seja, que nossa construção da realidade talvez não seja tão importante e muito menos única.

Com todos esses estudos e quebras de paradigmas, me parece que somente os 'símbolos' são exclusividade nossa.
Os criamos e nos tornamos escravos deles.

Não que outras espécies não o façam ou não possam fazer, mas ao que parece, simplesmente não importa a eles, pois suas percepções de mundo são construídas com base em inúmeros sentidos, e a "falsidade", entre eles, de fato tem "pernas curtas".

Esse assunto se estende e quero divagar sobre outras coisas ligadas ao assunto (cognição animal) e esses sentidos.

Eu entro correndo em casa de repente, ainda com meu capacete. A Cindy (minha gata) me olha com cara de "que diabos esse panaca está fazendo?" e não se abala. Ou então, um copo tomba na cozinha sem ninguém lá e o Klaus (meu gato) fica em estado de alerta, mas quando o mesmo copo tomba mas outra pessoa conhecida está lá ele não se abala.

Interessante como eles constroem a realidade deles.
Me parece que nós construímos nossa realidade de maneira visual, quase que exclusivamente, mesmo sendo nosso sentido limitado em alcance e espectro de frequência. Note que até mesmo um cego de nascença parece tender a isso.
Talvez seja resultado do nosso processo evolutivo. Uma limitação nossa mais do que influência cultural.

Os gatos, assim como outras espécies (mas felinos e outros predadores principalmente), usam uma vasta variedade de sentidos sem que algum deles tenha mais importância.

Mas veja como a Cindy construiu aquele momento. Ouviu com um alcance e profundidade superior, sentiu os infrasons com os bigodes e os pelos, viu em espectro superior e sentiu o cheiro, tudo isso resultou num modelo de mim em sabe-se lá em quantas dimensões e sabe-se lá em que formato visual teria para nós.

Mas mesmo com roupas estranhas, algo cobrindo a cabeça inteira e sem falar uma palavra ela me reconheceu instantaneamente.
Nenhum símbolo foi levado em consideração. Absolutamente nenhum.
Lá estava eu, nu diante dela, sabe-se lá sob qual formato construído.

Nossa limitação de sentidos e nossa importância aos símbolos talvez nos limite a capacidade de pensar, de fugir do senso comum.

Imagine Marx, Freud e Einstein. Será que eles não conseguiam extrapolar certas limitações?

Einstein a meu ver teve o maior insigth de toda a história da humanidade.
Ele criou algo contrário a toda a sua formação cultural e a todo o conhecimento científico até então. Algo que foi além de uma pura especulação e superficialidade (como os átomos de Epicuro - filósofo pela qual tenho grande simpatia). Algo que continha elementos de dimensões completamente fora do senso comum.

Em suas famosas "experiências mentais" ele criou um tecido onde o espaço e o tempo são interligados e deformáveis, e a partir daí, por exemplo, imaginou que um corpo muito massivo e de altíssima densidade poderia deformar esse tecido a ponto de a própria luz ser "engolida" por ele (hoje conhecido como "Buraco Negro").

Poderia essa importância aos símbolos e essa "tendência visual" estar nos tirando muito mais do que um senso de justiça, ética e felicidade?

Vishi, aonde eu fui parar...
Eu juro que não bebi nada... ainda...


5 comentários:

  1. Adorei o post. Fiquei muito interessada no documentário que vc assistiu. Sim, quem tem parentes não humanos sabe que eles entendem tudo o que precisam entender e mais alguma coisa. O suficiente pra nos manipular, por exemplo. :))
    Nossa limitação é maior que a dos sentidos. Ao entender e construir o conhecimento baseados em contextos históricos e ideológicos, a gente elimina possibilidades. Por outro lado, cria um mundo de imensa complexidade.

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  2. sim, foi decartes que falou que os animais não pensavam e nem sentiam nada. ja na epoca dele, o pessoal caiu matando. o pessoal seguidor de espinoza, principalmente.

    sobre os animais, eu reconheço, sim, que eles são muito semelhantes a nos em diversos aspectos e tal.

    mas bato na tecla: a principal coisa que nos diferencia deles é que somos auto-conscientes, enquanto q eles sao apenas conscientes.
    alem do fato de , em tese, podermos escolher as formas pelas quais saciamos os nossos extintos (fome = churrasco e/ou vinagrete) enquanto que eles nao fazem isso exatamente (fome = carnivoro ou herbivoro ou onivoro).

    mas, sim, eu gosto de mamiferos. principalmente cachorros.

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  3. História, ideologia, cultura, dialética, auto-consciência, blá, blá, blá... ok meninas, mas estou me atendo a este aspecto, ou seja, limitações sensoriais -> limitações em abstração, criatividade, etc.

    Os gregos não falavam que o mundo que criamos é o que sentimos?

    Mais ou menos daí que começou a viagem...

    Escolha... sei lá, isso sim é pesadamente cultural... talvez pra eles (muitas outras espécies) apenas não interesse... ou é a "lei do mínimo esforço" (o que seria algo bem inteligente!), se eu tô com fome como qualquer porcaria que está pela frente! Ahahaha!

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  4. Há uma coisa na Natureza... nada surge do nada. Há sempre uma condição anterior, uma proto-coisa. Assim é na cognição humana: ela não poderia surgir do nada, mas da animalidade. A Razão, que tanto adoramos, é meramente uma introjeção da dinâmica de uso dos símbolos, impartida a cada indivíduo pela educação formal e ambiental. A razão é social, não biológica como se acredita.

    Alguns animais possuem rudimentos de um sistema de símbolos, com gritos específicos de alerta a ameaças determinadas.

    Outros animais, como os macacos bonobos e os cachorros aprendem sistemas de símbolos pelo contato com os humanos. Um símbolo é uma associação. Quando mostramos a coleira a um cachorro isso para ele significa que irá passear. E há cachorros que mostram a coleira para os donos.

    No caso dos macacos bonobos a coisa vai muito além nas experiências feitas onde alguns espécimes foram treinados no uso de um sistema simplificado de símbolos. Além de ter surgido coordenação de símbolos (isto é, sentenças), houve transmissão intergeracional, isto é, uma fêmea treinada criou condição ambiental para seu filhote adquirir proficiência no sistema superior ao dela mesma (caso de evidente reforço libidinal à transmissão de um sistema de símbolos, como ocorre na espécie humana).

    http://www.greatapeproject.org/pt-BR/noticias/Show/2844,os-bonobos-que-conversam-com-humanos

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  5. É Ivan, não somos nada originais mesmo...

    Mas hoje eu já não creio tanto que nos animais exista apenas um "rudimento de um sistema de símbolos".

    Me parece que eles criam e cultuam os símbolos da maneira que os convém.

    Essas experiências recentes, reveladores de ciúmes, saudades, fobias, luto e outras coisas, são muito interessantes.

    Dizem, como a Rayssa, que satisfazemos nossas vontades como queremos, e essa seria uma característica importante, mas os 'lacanianos' colocam bem a diferença entre o que você quer e o que você deseja (livro com esse título do Jorge Forbes), e daí, nem sequer escolhemos tanto assim...

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