sábado, 25 de fevereiro de 2017

A marchinha headbanger

Feriado complicado para um velho headbanger.
O tempo faz coisas estranhas... quem diria que eu viraria um clássico...

Nesses dias "complicados" me refugio nos estudos e na boa música. Quase sempre lembro do jovem Ramon.

Nas minhas épocas de empreendedor (quando eu achava que era possível casar a moralidade - e portanto o bem comum - ao empreendedorismo) eu morava no Brooklin em sampa.
Precisando de um estagiário minha heavy irmã e na época meu rockunhado me indicaram um cara diferente.

Íamos almoçar num "por kilo" numa travessa da Av Santo Amaro, onde trabalhava um moleque cabeludo que atendia e que era sobrinho da proprietária.

Nessa época já não conseguia muito bem selecionar as pessoas por sua "técnica" ou "produtividade" apenas. As pessoas para mim, antes de mais nada, eram pessoas e fatalmente fariam parte do meu cotidiano.

Depois de umas tentativas frustradas com os "convencionais" conversei com o Ramonzinho.
Brincamos por muitos anos que a entrevista se baseou em que era o elemento clássico do Deep Purple ou qual era o vocalista mais adequado pro Rainbow, e por aí vai.

Enfim, lá veio o menino cabeludo que arranhava um baixo com seus 19 anos, recém formado num curso técnico qualquer trabalhar comigo.
Acho que era muito papo e pouco trabalho.

Muito papo bom.

Viramos amigos e ele virou o mascote da turma de "velhos degenerados".
No fim do estágio ele alçou voo depois de um concurso público.
Continuamos a amizade, com noitadas de rock, biritas e umas "coisas a mais".

Conversávamos bastante e fui o alertando sobre certo deslumbre quando se ganha dois tostões a mais e quando se arregala os olhos diante de um suposto poder e "seriedade" na vida profissional.

Fui convidado pro seu casamento.
Muitos moleques em volta, parentes e eu sendo apresentado como "o sujeito que ensinou tudo o que eu sei".
Ficava feliz e envaidecido, porém já sabia que mesmo o que eu conhecia não pertencia a mim, mas aos outros que me ensinaram (anos mais tarde fui tendo a confirmação mais embasada disso - e viva Sartre!).

Após o casamento ele começou a se sobrecarregar de trabalho e "seriedades" da vida,
Muito me preocupava isso. Não era o seu perfil,e ao meu ver, o de ninguém.
Cortou o cabelo e as coisas começaram a "entrar nos eixos". Não o dele nem o da vida humana.

Ramonzinho morreu de enfarte fulminate aos 29 anos deixando um filho pequeno.

Nesses dias em que penso em música, história, princípios e moralidade lembro muito do meu estagiário, amigo e talvez um afiliado que nunca tive.

A vida acaba de maneiras abruptas. Sempre.
Como disse  Carlos Heitor Cony, "somos todos terminais desde que nascemos".
A sua existência foi abreviada, e diferente dos meus amigos tecnicistas eu creio (dadas as evidências) que não foi a "saúde ruim" apenas que o tomou das pessoas que o amavam. A sociedade perversa que busca a "ferramenta de trabalho" e consumidor ideal foram cruciais no processo.

Não deu tempo de te dizer meu jovem amigo, mas você também me ensinou coisas.
A principal foi a de que realmente eu não sirvo pra lucrar sobre ninguém, nem explorar as pessoas e muito menos as ver como algo que intrinsecamente não tem valor mais importante que as "competências técnicas".

Não preciso de crendices para saber que você está em todos que o conheceram.
Sartre (entre outros claro)  nos mostra de maneira mais bela.

Um brinde a você meu jovem amigo!






sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Novidade ou eu apenas acho que o mundo começou comigo?

Nós somos criaturas bastante  bizarras.
Dado a nossa existência curta e nossa ignorância ampla, achamos sempre que somos cheios de criatividade e ideias inovadora, ainda mais no momento histórico onde "eu acho que" (sem maiores lastros) virou algo a ser valorizado.

Bom, se você  acha algo bizarro e saído "do nada" uma figura insólita (e nem por isso menos perigosa e nefasta) como Donald Trump assumir o poder da mais influente e poderosa nação do mundo, acho que apelas à história traz respostas... e péssimas perspectivas...

Indo direto ao ponto, desde que resolvi estudar economia (muito mais a política econômica e a moralidade derivada) uma coisa me deixava curioso: conhecer um pouco mais dos "primos ricos".

Como já li muita coisa do Paul Krugman (professor em Princeton, Nobel em economia, phD pelo MIT, colunista e escritor), achei na sua lista o "A consciência de um liberal". Muito bom, vale a pena pra qualquer um queira um panorama da política econômica dos EUA a partir do fim do século XIX.

Não é minha pretensão fazer uma crítica ou resenha do livro. Me considero muito ignorante para isso.
Mas acho que vale muito a pena nessas épocas "Trumpiquescas" e de devaneios ultraliberais no Brasil.

Basicamente prof Krugman demonstra como os EUA se tornou (principalmente nos Trente Glorieuses) o país das oportunidades e de como ele deixou de o sê-lo desde a década de 80.
Com dados muito consistentes prof Krugman derruba vários dos mitos ultra liberais (ou neoliberais se assim preferir) do estado mínimo, mitos da austeridade, redução tributária, etc.

A parte econômica (em especial as "receitas para grandes compressões" ou o New Deal norte americano) pode ser facilmente avalizada, por exemplo, com as obras de Joseph Stiglitz, Amartya Sen e brilhantemente por Thomas Picketty, mas a parte que mais me interessou foi a política mesmo.

Por exemplo, alguns se surpreendem com medidas aparentemente mais progressistas e liberais para um republicano que o governator Schwarzenegger tomou em sua época à frente do estado da Califórnia, e recentemente com suas críticas a Trump (republicano, homofóbico, sexistas, truculento, racista, egocêntrico, narcisista...), mas prof Krugman mostra que nem sempre republicanos e democratas estiveram em lados tão opostos.

Usa por exemplo o presidente Eisenhower como exemplo de republicano que ainda manteve certos programas sociais, etc. Cita que inclusive, a lei que aboliu a escravidão nos EUA foi aprovada por republicanos (os interesses obviamente não deixaram de ser citados).

A polarização republicana foi basicamente resultado de uma agregação de forças conservadoras em especial as elites sulistas (a versão do 'coronezinho' deles), empresários e grandes executivos, fanáticos religiosos e outros lunáticos perigosos, que, com o poder econômico, cooptaram estrategicamente a grande mídia e até mesmo partes da elite acadêmica (os think thanks).

Esses "organismos" (os think thanks) aglutinam toda a espécie de centro de influências sociais legais ou não, plantando notícias falsas e boatos, agraciando pesquisadores se os "resultados científicos" ficarem no interesse conservador, chantageando políticos e manipulando eleições.

Sim, manipulando eleições.
Prof Krugman nos traz uma série de fatos a respeito de como a prática de manipular eleições nos EUA é antiga e praticamente institucionalizada.

A saúde universal mereceu especial atenção, antecipando (o livro é de 2008 se eu não me engano) a derrubada do Obama Care e esclarecendo porque é muito importante para os conservadores que a saúde nunca se universalize nos EUA (eles chama de "saúde socializada" para reforçar o "perigo comunista"), motivos que vão além dos poderosos cartéis das indústrias médicas e farmacêuticas e da corrupção generalizada (sim, lá também tem!).

Assim como outros economistas sérios e imparciais (dentro do que a ética nos permite ser) ele mostra que os EUA se tornaram um país oligárquico novamente, com altos índices de violência, queda no nível escolar, achatamento da classe média e escabrosa desigualdade social, tudo basicamente resultado de redução tributária, ausência de controle (mesmo que seja apenas o moral) dos grandes salários, perseguição aos sindicatos e às forças organizadas ligadas ao trabalhador e à total (ou quase) ausência de um estado de seguridade social.

Apenas para bater na mesma tecla, de modo sucinto porém enfático, usando literalmente as palavras do prof Krugman: "as sociedades de classe média não surgem automaticamente enquanto uma economia amadurece, elas tem de ser criadas por meio da ação política".
 
O livro tem muita coisa boa e é recheado de ótima bibliografia. Vale muito a pena para nós cucarachas, os "primos pobres", que estamos adotando esse discurso de satanização dos impostos, do estado mínimo, da suposta meritocracia, da polarização irracional, da truculência e da xenofobia, e permitindo exatamente a mesma coisa que "lá": que grupos religiosos, ultraconservadores, empresariais e os barões de sempre se aglutinem e reinem sem questionamentos.

O capitalismo é como o 'Banco Imobiliário' (versão eufemística do nome original Monopoly): ele só funciona mal e porcamente quando um forte "juíz" (por definição aquele que deveria zelar por todos e a quem se outorga até mesmo a exclusividade da violência: o Estado) organiza, equaliza as forças e redistribui as riquezas. Sem o "juíz" ou se ele for o próprio jogador... bem, é o que estamos vendo...

Pra divertir a reflexão segue um doc do Michael Moore (apesar do jeito "Moore" de ser, seus docs são sempre interessantes):




A Corporação é um documentário premiado canadense. Esse vai de "brinde"... :o)
Você imagina a origem da "pessoa jurídica"? Então veja... é sinistro...