sábado, 28 de março de 2015

Leds no fim do túnel

Empreendedorismo de esquerda?
Sim por que não.
Defender a democracia total (não a farsa democrática atual), melhor distribuição de renda, justiça social e serviços públicos com alto grau de eficiência administrativa não é incompatível com o empreendedorismo, muito pelo contrário.

O empreendedorismo ético pode ter como objetivo o ganho financeiro, porém não só isso e nem a qualquer custo, afinal, nunca poderemos nos considerar 'vencedores' se entramos numa luta injusta, fazendo uso de ferramentas no mínimo discutíveis e mergulhados numa sociedade em ruínas.
 
Acho que sempre fui um empreendedor. 
Aos 10 anos fazia "gelinhos" pra conseguir uns trocados pra comprar minhas linhas de pipa e revistas de eletrônica. Quando se é arrimo de família cedo (6 anos) em família pobre, a primeira coisa que se aprende é não pedir nada, pois além da frustração, o pior é deixar a sua mãe em frangalhos por não poder lhe proporcionar algo.

(Paragráfo TDAH: as feministas dizem que os homens são seus "inimigos" pois não sabem o que se passa realmente com elas. Concordo em parte, pois as mulheres (e nem outros homens) não sabem o que é ser arrimo de família muito cedo numa família pobre.)

Estudando eletrônica conseguia consertar toca-fitas e congêneres daqui ou dali pra fazer umas moedas que financiavam alguns "luxos" e mais revistas e componentes eletrônicos.

Com 19 anos escrevi meu primeiro livro e com 27 abri oficialmente minha primeira empresa.
Nunca perdi meus ideais de justiça social, portanto, nunca tive discursos toscos do tipo "eu se fiz por si pÓprio" - assim errado mesmo.

Mesmo não tendo nenhuma herança ou auxílio financeiro, eu tive uma herança social (educação, valores, mínima estabilidade emocional, etc) e sou homem, branco, alto, atlético e descendente de europeus, e isso, por si só, já é uma plataforma adicional.

Se é fato comprovado que, por exemplo, mulheres tem menos oportunidades e ganham menos na mesma função que homens, negros ganham menos nas mesmas funções que brancos, homossexuais tem sua vida íntima levada em consideração num emprego ou num negócio e pessoas gordas sofrem discriminação para conseguir uma vaga de trabalho, é fácil ver que não existe oportunidades iguais, a não ser, claro, que você acredite em papai noel.

Isso sem contar as próprias condições macroeconômicas que favorecem a quem já atingiu o ponto crítico onde o capital financeiro começa a se multiplicar por si só: conseguem rendimentos melhores, taxas menores, mais crédito, praticam trust descaradamente, etc.


Quando converso com amigos classe média eu sempre bato na tecla que meritocracia é uma piada, mas isso não tira méritos individuais de ninguém, porém, impede qualquer discurso de "vitória" e "superioridade", pois seria como cruzar uma linha de chegada numa prova de 100 metros recheado de esteroides.

Estando no mundo dos negócios, minha utopia definitivamente foi por água abaixo.
Distribuidores que fecham as portas deliberadamente deixando seus funcionários na mão (o conhecido double F - fecha e foge), discussões entre concorrentes para estabelecer certas  "metas de sonegação" (divirtam-se com o escândalo do HSBC), prática deliberada de lucros abusivos, e toda a sorte de práticas nada éticas em prol do lucro.

A título de exemplo, numa determinada área de negócios que não posso mencionar, eu presenciei os 4 maiores distribuidores combinando quais os percentuais do faturamento seriam "especiais" (sem nota fiscal).

Não acho possível para qualquer pessoa como mínimo de ética conviver num mundo desses.
E caso opte por ficar você será esmagado pois não há como concorrer quando você acha que não deve sonegar impostos, não deve combinar preços finais, não acha correto a prática de lucros abusivos e não acha decente pagar aos seus funcionários "o que o mercado paga" (desculpa de explorador).

A discussão de novas práticas políticas e econômicas são essenciais, e evidentemente parte de uma discussão maior sobre os valores sociais, mas por incrível que pareça, é um começo mais "fácil".

Em época tão turbulenta e com perspectivas de piora, aparece uma boa oportunidade para mudarmos esse paradigma desumano, começando por uma reforma política real, uma real transparência no judiciário, práticas comerciais éticas e muita, mas muita educação.

Isso seria um bom começo.







sexta-feira, 13 de março de 2015

O "crítico" de Piketty

Eu já escrevi sobre como a ignorância é atrevida (o grande Dráusio Varella é mais enfático, "passei da idade de me surpreender com a estupidez humana") e realmente eu não me surpreendo mais com isso. Sempre tem algo ainda mais impressionante, porém não mais uma surpresa.

Em uma discussão num fórum qualquer, um sujeito disse que o livro do Piketty ("O Capital no século XXI") era uma porcaria e que muita gente qualificada desmerecia o livro. Para coroar ele disse que Piketty era um comunista (?!) e blá, bla, blá...

Pedi que ele me mandasse referências às críticas a Piketty, pois acho importante avaliar todos os lados.
O sujeito disse que "era muita fácil de encontrar" bastava eu procurar a crítica de um Nobel recente.

Como esse tipo de gente se informa por orelhas de livros e resenhas tendenciosas (no popular "ouvi o passarinho cantar e não sabe onde"), fui atrás.

Supus se tratar de Joseph Stiglitz.
Primeiro devemos lembrar que "crítica" é uma análise e não um desmerecimento à obra como um todo, posto isso, comprei o livro "O preço da desigualdade" de Stiglitz e li sua "crítica" a Piketty.

Resumindo, a crítica que ele faz a Piketty é em relação a algumas análises de dados, nada mais. O que mais chama atenção é que ambos são críticos ferrenhos do neoliberalismo (o que Stiglitz chama de "fundamentalistas de livre mercado) e no fim, defendem a mesma coisa.

Como nos lembra a economista Monica de Bolle, Global Fellow do Woodrow Wilson Center: 

"Não existe contradição entre o que o Stiglitz afirmou e o livro de Piketty.

São perspectivas diferentes para o mesmo problema, não existe contradição. Stiglitz vê a diferença na distribuição de riqueza ligada à abundância de crédito, que possibilita a formação de bolhas. Quando a bolha estoura, uns têm capacidade maior de se defender que outros. Fala da situação dos Estados Unidos e olha principalmente os anos mais recentes, desde a crise de 2008. Isso não é inconsistente com a teoria de Piketty."

O mais absurdo do atrevimento da ignorância é que o sujeito veio me "jogar na cara" algo que corroborava minha argumentação e a da Piketty!!!

Como minha compra (o livro de Stiglitz ainda não chegou), deixo uma pequena resenha de Nuno Ramos de Almeida - Jornal I de Portugal:

"O livro de Stiglitz é uma espécie de relatório de CSI deste processo. O cadáver é a economia do país capitalista mais desenvolvido, os Estados Unidos da América, e a autópsia não é nada simpática: 

“a) O recente crescimento dos rendimentos nos EUA ocorre essencialmente no 1% de topo da distribuição dos rendimentos; 
b) Em resultado disso, verifica-se uma crescente desigualdade; 
c) Os cidadãos da base e da classe média vivem hoje pior do que viviam no início do século; 
d) As desigualdades de riqueza são ainda maiores que as desigualdades de rendimentos; 
e) As desigualdades são evidentes não só nos rendimentos, mas também em muitas outras variáveis que refletem os padrões de vida, como a insegurança e a saúde; 
f) A vida é particularmente difícil para a classe mais baixa e a recessão tornou--a muito pior; 
g) Tem-se verificado um certo esvaziamento da classe média; 
i) Existe pouca mobilidade dos rendimentos – a ideia dos EUA enquanto terra de oportunidades não passa de um mito.” 

Stiglitz mostra com muita clareza que, embora os cidadãos dos EUA acreditem no “sonho americano”, segundo uma sondagem da Pew Foundation, quase sete em cada dez americanos acreditam no seu sucesso econômico. A realidade é que a sociedade norte-americana tem índices de mobilidade social comparáveis com as plutocracias de África. Os ricos serão mais ricos e os pobres ainda mais miseráveis.

Para o Prêmio Nobel da Economia de 2001 esta situação não é inevitável nem decorre da existência de uma entidade, encarada como sobrenatural e imutável, que seriam os mercados. Stigliz demonstra de uma forma muito clara que os mercados resultam de um processo de construção social e devem-se na sua atual configuração a uma relação de forças política que dá excessivo poder aos ricos e desvirtua a democracia. “Os mercados não existem no vácuo. São moldados pelas nossas políticas, muitas vezes de forma a beneficiar os do topo”, observa. Para ele a economia tem de responder aos problemas da totalidade da população. Ela não existe como um jogo virtual que dá prêmios aos do costume, mas como uma atividade que deve servir a humanidade. Deste ponto de vista, as nossas sociedade preparam-se para uma explosão descontrolada quando mantêm milhões de pessoas no desemprego em países em que há necessidades para preencher e trabalho que deveria estar a ser feito. 

Como escreve na abertura do seu prefácio Joseph Stiglitz: “Há momentos na história em que os povos de todo o mundo parecem erguer-se para afirmar que algo está mal. Foi isso que aconteceu nos tumultuosos anos de 1848 e 1968. Cada uma destas datas de convulsão social marcou o início de uma nova era.” Fica o aviso."

segunda-feira, 2 de março de 2015

Economia

Todos deveríamos compreender os mecanismos da economia, afinal ela nos afeta diretamente.

O livro ‘O Capital no século XXI’ de Thomas Piketty é uma excelente fonte.
Primeiramente devo enfatizar que não é um livro anticapitalista (segundo o próprio autor ele está mais do que “vacinado contra discursos retrógrados”), não é atôa que veículos como o The Economist e o The Guardian e até mesmo, pasme, o Bill Gates elogiam enfaticamente o livro.
No campo acadêmico é redundante falar que o livro já é referência, fortemente cotado para o livro de economia da década e quem sabe uma referência do século XXI como foi David Ricardo/Marx no século XIX e Kuznets no século XX.
Algumas coisas que tornam o livro interessantíssimo para todos:
- abordagem multidisciplinar da economia, nunca deixando de lado os rigores científicos mas sem abandonar as ciências humanas (da onde o autor crê que a economia nunca deveria ter saído);
- estudo histórico fantástico, com a inclusão de pesquisas oficiais (World Incomes Databases, registros fiscais e várias outras fontes oficiais) e obras antigas. Uns 20 ou 30 pesquisadores por todo o mundo colaboraram na pesquisa/análise de dados (foram 15 anos pesquisando);
- pouco ou quase nenhum viés ideológico (não existe 100% de imparcialidade em nenhum humano, porém, o importante é manter em sua maioria a integridade das análises);
- excelentes referências bibliograficas;
- ótima escrita (evidentemente devo dar mérito à tradutora também).
Síntese (bem micro mesmo) de alguns pontos:
- na crítica à Marx pode-se pontuar o (possível) erro do desfecho do capitalismo por excesso de influência ideológica e claro a impossibilidade de conhecer os impactos da tecnologia no decorrer do século XX/XXI, porém sem tirar o mérito da obra e sua fabulosa intuição (em 1930 Harrod e Dogmar introduziram uma das leis do capitalismo: g=s/B supondo que a relação captital/renda (B) fosse constante em 5% e, por exemplo, com uma poupaça interna s em 10% o crescimento g seria de 2%, porém estudos posteriores (Solow – 1956) demonstraram que B é variável inclusive pelo crescimento demográfico e portanto, foi aceito que a razão dinâminca de capital/renda corresponderia a B=s/g, onde um crescimento estrutural igual a 0 levaria fatalmente a razão B ao infinito, fazendo com o rendimento do capital (r) se torne cada vez mais proximo de 0 e sua participação - outra lei do capitalismo a = r x B - devore a totalidade da renda nacional – portanto, sem intervenção externa o capitalismo rui pelas suas próprias contradições – lembrando que em ciências sociais, as equações são um modelamento dinâmico aproximado de longo prazo. O crescimento demográfico e de produtividade e a difusão do conhecimento permitiu, por hora, evitar o apocalipse marxista, mas não modificou as estruturas profundas do capital.);
- na crítica a Smith/Kuznets pode-se pontuar as suas falhas na análise reducionista dos dados (ou nenhum dado no caso de Smith) que resultaram na “economia do otimismo” (em oposição a “economia do pessimismo” de Marx/David Ricardo) e na imagem completamente sem sentido, sem evidências e sem ocorrências históricas do “mercado se ajustar sozinho de maneira mágica” (aliás, intuitivamente isso já parece uma barbaridade, mas tem gente que acredita em duendes então...);
- coloca a concentração de renda excessiva como algo que compromete a democracia e abre espaço a regimes totalitários e/ou nacionalistas (vide Hitler, Hugo Chaves, etc) ou a graves convulsões sociais;
- demonstra que os mega salários, ganhos de capital de renda acima de ganhos de capital produtivo e as heranças não somente degradam os valores do mérito como contribuem de maneira decisiva para a concentração de renda (sem grandes demonstrações posso usar a lógica: se os pais tem mérito em construir patrimônio, que mérito tem os filhos em ganhar o mesmo? Soma-se a isso a herança social, ou seja, educação formal e informal e a estabilidade afetiva/emocional que já é por si, uma plataforma a mais sobre quem não as teve);
- derruba de maneira definitiva a idéia de que sem intervenção (excetuando-se os casos de guerras, revoluções e grandes tragédias) a concentração de renda diminua;
- demonstra que somente acesso irrestrito à informação (especialização de mão-de-obra, etc) e a liberdade não são capazes de reduzir significativamente a concentração individual de renda (parece funcionar para as nações como um todo) e sem taxação e outras intervenções políticas esses perfis não são significativamente alterados (curiosidade: o IGF, imposto sobre grandes fortunas ja está na constituição brasileira, faltando apenas sua regulamentação. Uma das tentativas de regulamentá-la foi a do então senador Fernando Henrique Cardoso);
- derruba o mito da estatização ineficiente. Não afirma que é positivo, mas demonstra que não se pode dizer que é negativo. Mostra que na Europa, constantemente houveram ondas de estatizações e privatizações (este sempre a preços inferiores dos de mercado – pagamos sempre a conta), sem necessariamente algo ser absolutamente ruim ou bom (por exemplo: atualmente a Renault continua com 20% estatal, assim como a Volkswagen. Outro exemplo é mostrar que o ativo fixo de uma estatal - por definição - não é contabilizado no PIB e quando a empresa se privatiza ele passa a ser contabilizado, dando falsa melhora no PIB);
- expõe o caso do “capitalismo do Reno” ou o “capitalismo social” (Alemanha) como um caso de estudo, onde as empresas privadas tem ações mais baixas que a média mundial (por causa dos conselhos: trabalhadores, governo e órgãos do meio ambiente tem direito a voto deliberativo mesmo sem ter nenhuma ação) porém tem muita estabilidade e solidez (achei interessantíssimo! Curiosidade: até hoje os alugueis sofrem pesado controle governamental.);
- mostra os erros de se avaliar condições macro economicas pelo PIB (a análise das relações de capital/renda referenciais ao poder de compra local é melhor, apesar de ainda aproximada);
- mostra que os crescimentos da ordem de 1% ou próximos não são ruins (geram mais de 35% em uma geração!) e que os alegados ideais de 3% ou 4% é que são exceções ao longo da história e ainda por cima completamente insustentáveis (exceções como a China tem explicações muito específicas);
- aliás, mostra que controle de capital (como na China e outros países asiáticos) não impacta no crescimento econômico de maneira significativa;
- em vários momentos ele deixa claro que sendo dados oficiais, é muito mais provável que altas rendas estejam subdimensionadas do que as baixas (cita dados preliminares dos paraísos fiscais, portanto,  o escândalo do HSBC são daquelas surpresas que não são supresas);
- conclui que: “A marcha em direção à racionalidade econômica e tecnológica não implica, necessariamente, uma marcha rumo à racionalidade democrática e à meritocracia. A raíz central é simples: a tecnologia, assim como o mercado, não tem limite ou moral... Se desejarmos, de fato, fundar uma ordem social mais justa e racional, baseada na utilidade comum, não basta contar com os caprichos da tecnologia.”
“As distinções sociais só podem se fundamentar na utilidade comum.” –Artigo 1, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789.
O pensamento classe média carece de racionalidade em grande parte causada por duas fontes:
- a primeira pela mesquinharia de achar que vai perder algo;
- a segunda pela inocência de achar que tem algo.
Agora, se passar pela sua cabeça que alguém está defendendo regimes totalitários, socialismo ou qualquer discurso sem pé nem cabeça desse nível esqueça tudo isso. Possivelmente vc se enquadra no parágrafo anterior...