segunda-feira, 2 de março de 2015

Economia

Todos deveríamos compreender os mecanismos da economia, afinal ela nos afeta diretamente.

O livro ‘O Capital no século XXI’ de Thomas Piketty é uma excelente fonte.
Primeiramente devo enfatizar que não é um livro anticapitalista (segundo o próprio autor ele está mais do que “vacinado contra discursos retrógrados”), não é atôa que veículos como o The Economist e o The Guardian e até mesmo, pasme, o Bill Gates elogiam enfaticamente o livro.
No campo acadêmico é redundante falar que o livro já é referência, fortemente cotado para o livro de economia da década e quem sabe uma referência do século XXI como foi David Ricardo/Marx no século XIX e Kuznets no século XX.
Algumas coisas que tornam o livro interessantíssimo para todos:
- abordagem multidisciplinar da economia, nunca deixando de lado os rigores científicos mas sem abandonar as ciências humanas (da onde o autor crê que a economia nunca deveria ter saído);
- estudo histórico fantástico, com a inclusão de pesquisas oficiais (World Incomes Databases, registros fiscais e várias outras fontes oficiais) e obras antigas. Uns 20 ou 30 pesquisadores por todo o mundo colaboraram na pesquisa/análise de dados (foram 15 anos pesquisando);
- pouco ou quase nenhum viés ideológico (não existe 100% de imparcialidade em nenhum humano, porém, o importante é manter em sua maioria a integridade das análises);
- excelentes referências bibliograficas;
- ótima escrita (evidentemente devo dar mérito à tradutora também).
Síntese (bem micro mesmo) de alguns pontos:
- na crítica à Marx pode-se pontuar o (possível) erro do desfecho do capitalismo por excesso de influência ideológica e claro a impossibilidade de conhecer os impactos da tecnologia no decorrer do século XX/XXI, porém sem tirar o mérito da obra e sua fabulosa intuição (em 1930 Harrod e Dogmar introduziram uma das leis do capitalismo: g=s/B supondo que a relação captital/renda (B) fosse constante em 5% e, por exemplo, com uma poupaça interna s em 10% o crescimento g seria de 2%, porém estudos posteriores (Solow – 1956) demonstraram que B é variável inclusive pelo crescimento demográfico e portanto, foi aceito que a razão dinâminca de capital/renda corresponderia a B=s/g, onde um crescimento estrutural igual a 0 levaria fatalmente a razão B ao infinito, fazendo com o rendimento do capital (r) se torne cada vez mais proximo de 0 e sua participação - outra lei do capitalismo a = r x B - devore a totalidade da renda nacional – portanto, sem intervenção externa o capitalismo rui pelas suas próprias contradições – lembrando que em ciências sociais, as equações são um modelamento dinâmico aproximado de longo prazo. O crescimento demográfico e de produtividade e a difusão do conhecimento permitiu, por hora, evitar o apocalipse marxista, mas não modificou as estruturas profundas do capital.);
- na crítica a Smith/Kuznets pode-se pontuar as suas falhas na análise reducionista dos dados (ou nenhum dado no caso de Smith) que resultaram na “economia do otimismo” (em oposição a “economia do pessimismo” de Marx/David Ricardo) e na imagem completamente sem sentido, sem evidências e sem ocorrências históricas do “mercado se ajustar sozinho de maneira mágica” (aliás, intuitivamente isso já parece uma barbaridade, mas tem gente que acredita em duendes então...);
- coloca a concentração de renda excessiva como algo que compromete a democracia e abre espaço a regimes totalitários e/ou nacionalistas (vide Hitler, Hugo Chaves, etc) ou a graves convulsões sociais;
- demonstra que os mega salários, ganhos de capital de renda acima de ganhos de capital produtivo e as heranças não somente degradam os valores do mérito como contribuem de maneira decisiva para a concentração de renda (sem grandes demonstrações posso usar a lógica: se os pais tem mérito em construir patrimônio, que mérito tem os filhos em ganhar o mesmo? Soma-se a isso a herança social, ou seja, educação formal e informal e a estabilidade afetiva/emocional que já é por si, uma plataforma a mais sobre quem não as teve);
- derruba de maneira definitiva a idéia de que sem intervenção (excetuando-se os casos de guerras, revoluções e grandes tragédias) a concentração de renda diminua;
- demonstra que somente acesso irrestrito à informação (especialização de mão-de-obra, etc) e a liberdade não são capazes de reduzir significativamente a concentração individual de renda (parece funcionar para as nações como um todo) e sem taxação e outras intervenções políticas esses perfis não são significativamente alterados (curiosidade: o IGF, imposto sobre grandes fortunas ja está na constituição brasileira, faltando apenas sua regulamentação. Uma das tentativas de regulamentá-la foi a do então senador Fernando Henrique Cardoso);
- derruba o mito da estatização ineficiente. Não afirma que é positivo, mas demonstra que não se pode dizer que é negativo. Mostra que na Europa, constantemente houveram ondas de estatizações e privatizações (este sempre a preços inferiores dos de mercado – pagamos sempre a conta), sem necessariamente algo ser absolutamente ruim ou bom (por exemplo: atualmente a Renault continua com 20% estatal, assim como a Volkswagen. Outro exemplo é mostrar que o ativo fixo de uma estatal - por definição - não é contabilizado no PIB e quando a empresa se privatiza ele passa a ser contabilizado, dando falsa melhora no PIB);
- expõe o caso do “capitalismo do Reno” ou o “capitalismo social” (Alemanha) como um caso de estudo, onde as empresas privadas tem ações mais baixas que a média mundial (por causa dos conselhos: trabalhadores, governo e órgãos do meio ambiente tem direito a voto deliberativo mesmo sem ter nenhuma ação) porém tem muita estabilidade e solidez (achei interessantíssimo! Curiosidade: até hoje os alugueis sofrem pesado controle governamental.);
- mostra os erros de se avaliar condições macro economicas pelo PIB (a análise das relações de capital/renda referenciais ao poder de compra local é melhor, apesar de ainda aproximada);
- mostra que os crescimentos da ordem de 1% ou próximos não são ruins (geram mais de 35% em uma geração!) e que os alegados ideais de 3% ou 4% é que são exceções ao longo da história e ainda por cima completamente insustentáveis (exceções como a China tem explicações muito específicas);
- aliás, mostra que controle de capital (como na China e outros países asiáticos) não impacta no crescimento econômico de maneira significativa;
- em vários momentos ele deixa claro que sendo dados oficiais, é muito mais provável que altas rendas estejam subdimensionadas do que as baixas (cita dados preliminares dos paraísos fiscais, portanto,  o escândalo do HSBC são daquelas surpresas que não são supresas);
- conclui que: “A marcha em direção à racionalidade econômica e tecnológica não implica, necessariamente, uma marcha rumo à racionalidade democrática e à meritocracia. A raíz central é simples: a tecnologia, assim como o mercado, não tem limite ou moral... Se desejarmos, de fato, fundar uma ordem social mais justa e racional, baseada na utilidade comum, não basta contar com os caprichos da tecnologia.”
“As distinções sociais só podem se fundamentar na utilidade comum.” –Artigo 1, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789.
O pensamento classe média carece de racionalidade em grande parte causada por duas fontes:
- a primeira pela mesquinharia de achar que vai perder algo;
- a segunda pela inocência de achar que tem algo.
Agora, se passar pela sua cabeça que alguém está defendendo regimes totalitários, socialismo ou qualquer discurso sem pé nem cabeça desse nível esqueça tudo isso. Possivelmente vc se enquadra no parágrafo anterior...


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