Discutindo sobre a necessidade do domínio do estado sobre os serviços críticos ao ser humano (segurança, educação, saúde e saneamento básico) e seus impactos sobre a atual crise hídrica, fiquei pasmo com a argumentação contrária de meu interlocutor, um grande amigo: de que a corrupção não existe em serviços privados e só é necessário transparência e regulamentação.
Independente do fato de que onde o lucro é o objetivo, o ser humano nunca o será (e pode-se argumentar facilmente sobre isso), o que mais me deixa pasmo é o grau de fé em sua afirmação, portanto, absolutamente distante da lógica.
Quem corrompe?
Estão aí as "Camargo Correas" da vida que não me deixam mentir.
Não há como o corruptor ser menos responsável que o corrupto e adicionalmente a isso, a corrupção exige dinheiro público envolvido e claro, isso diretamente não existirá na iniciativa privada, porém, toda forma de "comissionamento suspeito" e demais formas similares de atividades onde a ética ficou atrás do muro são quase corriqueiras.
Agora adiciona-se a isso, segundo ele mesmo, que a privatização requer transparência e regulamentação, e aí mesmo é que ficamos aparentemente na mesma.
Se negociatas existem em ambos e transparência são necessários em ambos, esses fatores passam a ser irrelevantes na escolha, e o que sobrou foi o básico: se algo visa lucro fica mais caro para uma maioria para enriquecer uma minoria.
O caso da SABESP e a crise hídrica foi apenas um exemplo fácil da onde nos metemos quando deixamos o controle de certas coisas críticas na mão do capital.
Sem grandes teorias, usemos a lógica:
- por que investiria em estrutura para levar água a pequenos consumidores, lembrando que investir é reduzir o lucro dos acionistas e pequenos consumidores são pequenos lucros?
- por que me preocuparia com os desperdícios se a minha matéria-prima é gratuita?
- por que daria grandes descontos aos grandes consumidores em plena estiagem e penalizaria os pequenos consumidores dificultando ilegalmente o acesso a essa lista?
Isso é só pra começar com o básico.
O escândalo do HSBC, o segundo maior banco do mundo, foi a cereja do bolo para demonstrar a eficiência do setor privado em desviar e lavar dinheiro.
Esse escândalo coloca no chinelo qualquer escândalo estatal em qualquer país do mundo (não que eu ache justificável os problemas públicos).
8 mil brasileiros tem essas contas bilionárias na Suíça, a maioria (70%) com numeração sem identificação (por que será não?).
Estudos iniciais indicam que somam 20 bilhões de Reais!
Estimativas otimistas indicam que o Brasil perde 400 bilhões de Reais em sonegação anualmente!
Pois é, a "livre iniciativa" não me parece tão livre assim, e como sempre, para os tubarões, nada limpa.
Se alguns tem tratamento diferenciado, democracia é conversa pra boi dormir.
Se bem que até para os gregos a democracia era para alguns apenas, pois o populos grego era na verdade a sua aristocracia.
Deixo bem claro, como empreendedor que chegou a fazer e vender 'gelinhos' com 10 anos, escreveu seu primeiro livro com 19 e abriu sua primeira empresa com 21, que defendo a liberdade sim, a de verdade e não essa ilusão atual supostamente meritocrática.
Pode-se discutir muito sobre "O Capital no século XXI" de Thomas Piketty, mas negar a totalidade de sua obra beira a insanidade. Uma obra aclamada por laureados por prêmios Nobel e especialistas em várias áreas adjacentes à economia.
Nela, com sólidas pesquisas, (sendo superficial - ainda não acabei de ler o livro) é demonstrado a crescente curva da acumulação de riquezas na mão de uma pequena parcela da população (até a ABIMAQ já escrevia sobre isso) e como o neoliberalismo (posto a todo vapor com Reagan/Tacher) acentuou essa curva, tornando isso um problema tão grave que o autor (e outros) afirma ser uma das mais graves ameaças à democracia no mundo.
É aí que entra o Estado forte (nada a ver com totalitário), aquele que atua na real acepção da palavra, ou seja, garantindo a segurança da coletividade, a real liberdade às iniciativas pessoais e protegendo o trabalho e a produção dos dentes do capital exploratório.
É função do Estado fazer com que os ganhos de capital (a multiplicação sem sentido e sem lastro) sejam controlados e que os grandes acúmulos sejam novamente distribuídos (não existe outra forma além das taxações).
Sobre taxação, um outro amigo disse "que não se pode punir os ricos e sim dar condições aos pobres". Divertido não?!
Se riqueza não se cria (é como energia) não há como dar acesso a nada pois quase tudo já tem dono (obtido e mantido de maneira discutível), fora isso, o que a de meritocrático em deixar patrimônio para descendentes e manter fortunas que nem em 10 vidas alguém conseguiria gastar?!
Não é só uma argumentação irracional como é uma defesa de algo vil!
Piketty afirma que atualmente vivemos numa sociedade tão aristocrática quanto há séculos atrás, já que, grosseiramente, os bens familiares são acumulados, mantidos e usados como ferramenta de poder e de ascensão a mais bens.
Também demonstra a insustentabilidade (isso não é novidade, vide Marx - e pelo amor de Deus, leia Marx como um filósofo/sociólogo! Esqueça comunismo ou outros "ismos"!) de um sistema onde os ganhos de capital superam o de produção.
Mais uma vez deve ficar claro que Estado forte não é totalitário, mas sim livre do controle do capital como ocorre hoje, onde mais do que controle, o Estado virou o privado.
O Estado forte garante a distribuição de renda, taxando grandes fortunas, ganhos de capital e heranças (uma coisa nojenta que na minha opinião sequer deveria existir), fomentando a produção com crédito justo e democrático, estimulando a prática ética do trabalho e controlando diretamente o que é essencial ao ser humano como segurança, educação, saúde, energia e saneamento básico.
Veja o exemplo da saúde universalizada (pública) do Canadá, de Cuba (ops, é pecado falar qualquer coisa boa de Cuba) ou da Inglaterra.
Meus amigos classe média sofrem de uma miopia típica, uma mistura de mesquinharia e inocência.
A mesquinharia de achar que vão perder algo que não querem abrir mão de jeito nenhum e a inocência de achar que estão entre os 1% que concentram a maior parte das riquezas.
Infelizmente as pessoas confundem alhos com bugalhos.
Falar mal do neoliberalismo virou pecado, e sabe-se lá o que se passa nessas cabecinhas, sinônimo de comunismo...
Dizer que a meritocracia é inexistente ofende a maioria que acha que medíocres ações individuais (não é uma afirmativa ofensiva e sim no sentido do individual para o coletivo) podem ser estendidas a uma sociedade inteira no modelo que ela se apresenta atualmente...
Algumas referências para um assunto específico:
Imposto sobre grandes fortunas: a difícil tarefa do Congresso
Imposto sobre grandes fortunas: por que criar?
Imposto sobre Grandes Fortunas: se não agora... quando?
Notem que os pouco argumentos contrários aos impostos às grandes fortunas e patrimônios são o desestímulo à aquisição e a evasão de divisas. Outros problemas jurídicos são de fácil contorno.
Desestímulo à aquisição não é problema e sim solução. Se as riquezeas não girarem não servem para nada a não ser seu próprio acumulador.
Evasão de divisas é balela pois outros impostos incidirão sobre esta operação e não a nada que um acumulador mais odeia que ficar longe dos seus tostões, fora isso, até nos EUA, berço do neoliberalismo, quando houve esse tipo de tributação (mesmo que com outro nome como é o caso da França atualmente), isso não ocorreu e houve decréscimo na taxa de concentração de renda.
Evasão de divisas é balela pois outros impostos incidirão sobre esta operação e não a nada que um acumulador mais odeia que ficar longe dos seus tostões, fora isso, até nos EUA, berço do neoliberalismo, quando houve esse tipo de tributação (mesmo que com outro nome como é o caso da França atualmente), isso não ocorreu e houve decréscimo na taxa de concentração de renda.
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