quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Epicuro no Séc XXI

Epicuro de Samos foi um filósofo grego que viveu, acredita-se, entre 341 aC e 240 aC na ilha de Samos, redundante dizer, na Grécia.


Existem poucos registros escritos de sua obra, em especial pelo empenho de cristãos, judeus e, ao que tudo indica, dos islâmicos que tentaram suprimir seu legado.

Seu pensamento original e desafiador na época e por muitos séculos, considerado o pioneiro e precursor  do moderno pensamento ateísta, da razão científica, das ciências naturais, da evolução Darwiniana e da ética utilitarista e pragmática, seriam claramente bons motivos.

Ainda atualmente muitos associam errônea e simploriamente Epicuro ao hedonismo irresponsável.

O termo hedon, do grego prazer, felicidade, desejo, na filosofia de Epicuro tem muito pouco tem a ver com a futilidade e os excessos a ele atribuídos, muito pelo contrário, o pensador tinha hábitos simples, amistosos e tranquilos.

De fato Epicuro dizia que o prazer era a coisa mais importante da vida, mas não no sentido da voluptuosidade. Sua casa era simples, seu guarda roupas não tinha luxos, bebia água ao invés de vinho e achava peixe caro demais.

Se satisfazia com refeições à base de pão, legumes e azeitonas e eventualmente solicitava a amigos trazerem um pouco de queijo e vinho para alguma ocasião especial.

Na filosofia epicurista, a felicidade é simples de se alcançar, mas nós em geral não sabemos como, e somos facilmente enganados em sua busca. Já em sua época criticava o consumo por achar que nem sempre desejamos o que precisamos (Jacques Lacan recentemente - século XX - explora brilhantemente tal conceito).

Para Epicuro, os amigos eram um dos pilares da felicidade. Isso era tão fato para ele, que aos 35 anos, por volta de 306 aC, recém chegado a Atenas, resolveu comprar um casarão longe da agitação para morar com amigos e discípulos, local que ele chamou de "O Jardim".

"Os jardins de Epicuro" foi o ancestral de praticamente todas as comunidades alternativas (o primeiro  ecovileiro?! 😁), não pelo fato de uma vida em grupo em si, onde o ser humano quase sempre a teve, mas pela liberdade de associação, a intencionalidade e a "alternatividade" em relação a um status quo.

Para Epicuro e seus amigos, a felicidade também estava na liberdade de ser auto-suficiente e não depender de chefes tiranos para obter sustento. "Devemos nos libertar dos grilhões do cotidiano e da política" dizia Epicuro.

O casarão era grande o suficiente para que todos tivessem privacidade (você acha que o co-housing é ideia recente?) e com uma grande área para as refeições coletivas, já que, dizia Epicuro, "comer sozinho é para leões e hienas".

Junto a esses dois elementos fundamentais para a felicidade, os amigos e a liberdade, adicionava-se o terceiro: uma vida bem analisada. Para Epicuro, a filosofia é essencial à felicidade.

E era isso que ele e seu grupo faziam. Viviam de modo simples, alheios aos comentários dos outros, de maneira independente e com tempo para confraternização e reflexão, pois somente longe da agitação das distrações do mundo comercial é que se pode refletir sobre os reais problemas humanos.

A palavra pragmatéia já era usada por Epicuro dentro dos conceitos modernos, onde a busca pelo prazer não significava o desmedido, o supersticioso, o ignorante, o crédulo, o tirano e o ganancioso, mas também não o de quem se martiriza em renúncias.

O epicurista é a pessoa que sabe viver bem, de maneira tranquila, pacífica, honesta em tudo, modesta e plena no seu viver, sempre na busca racional (lógos) dos limites dos prazeres e das dores. Sempre sem constranger o outro e desejando mesmo o bem alheio.

Amistosidade, acolhimento e partilha também são a marca dos epicuristas, pois se sentir bem e seguro só é possível entre os que se sentem bem também.

Em 120 dC, Diogenes de Oenoanda, discípulo de Epicuro, seguindo uma de suas máximas (a de que  as pessoas devem ser continuamente lembradas dos seus ensinamentos e questionamentos quando expostas há muitos estímulos do cotidiano, em especial dos apelos comerciais), escreveu em enormes murais de pedra toda a filosofia da felicidade de seu mestre e próximo à entrada de um grande centro comercial em Oenoanda alertou a população que não esperasse encontrar a felicidade ali (comprando): "Bebidas e comidas sofisticadas não afastam o mal. A riqueza além do necessário é inútil como um vaso que transborda. O valor verdadeiro não é gerado por bares, teatros, perfumes e unguentos, mas pela filosofia".

O hedonismo epicurista compreende as dores e o sofrimento do corpo como suportáveis e finitos ou mortalmente rápidos. Os prazeres são frugais, naturais, sustentáveis e fáceis de se obter, proporcionados pela frugalidade, despreocupação, amizade e contato com a natureza.

Mesmo entre a sociedade e os vizinhos deve-se ponderar racionalmente a amistosidade e a distância segura.

O poeta Lucrécio (por volta de 50 aC), um dos seguidores da filosofia imanente de Epicuro dizia que não é o luxo dos candelabros e a opulência das mesas que contam. Podem gozar mais prazeres os que se estiram na grama mole, à margem das águas de um rio, sob os ramos de árvores altas, alheios à vida palaciana.

Epicuro era um evolucionista intuitivo e após seu contato com o atomismo de Demócrito passou a refletir sobre o assunto, com seus pensamentos sobre a união dos átomos ao acaso e por afinidade e seus desdobramentos, chegando até a especular, quando escreveu uma famosa carta, a existência de um cosmos infinito repleto de outros mundos que poderiam ser ou não habitados.

Influenciou notoriamente quase todos os estoicos.

Apesar de ter vivido há mais de 2000 anos e seus mais de 300 livros terem se perdido no tempo, seu pensamento brilhante, original e audacioso permanece vívido e ainda discutido.

Após quase apagado da história, reapareceu forte com Michel de Montaigne no século XVI citado em seus escritos e com o filósofo Pierre Gassendi (De vita, moribu et doctrina Epicuri)

A partir de 1700 a modernidade científica e ética de Epicuro é reconhecida em função dos seus átomos e do seu livre arbítrio por intelectuais como Boyle, Dalton, Hobbes e Locke.

No próximo século seguiu influenciando vários nomes como Mill, Benthan, Kant, Marx e Nietsche.

A liberdade responsável de Sartre e de quase todos os existencialistas lembram em muito a ética epicurista. Facilmente vemos, entre outros, que Russell, de Masi e Michel Onfray bebem de suas águas.

Atualmente, no século XXI, com o desencanto polítco-ideológico, a decadência da fé religiosa e o tempo desiludido chamado por muitos de pós-modernidade, a filosofia imanente da felicidade e do pragmatismo de Epicuro atinge talvez seu apogeu.


Primeira foto de um átomo de hidrogênio