sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Preciso de um pagé II - A revanche


Um grande amigo meu, de 40 anos, foi diagnosticado com pênfigo vulgar. Causa desconhecida.
Curiosamente as crises começaram praticamente junto ao anúncio de sua paternidade, que veio somar-se às suas preocupações com a saúde dos pais. O trabalho (TODOS) como atividade insalubre eu nem me darei ao trabalho de citar.
Apenas pra constar, o remédio número 1 foi uma cortisona. Se alguém leu meu post da "parte 1"...

Em dezembro, a esposa de um amigo teve uma parada cardíaca e morreu. Jovem (41 anos), "saudável", magra, não sedentária, com relacionamento estável e 2 filhos. A causa, claro, desconhecida.

Também no ano passado, um amigo jovem (31 anos), "saudável", magro, não sedentário e que ainda por cima ia ao médico pra qualquer unha encravada foi internado numa sexta-feira para tratar um início de leucemia. Oito dias depois faleceu deixando filho e esposa. A causa para a doença (apesar da explicação simplória sobre os glóbulos brancos) e a rapidez do óbito foi desconhecida.

Um jovem estagiário meu (que depois virou meu amigo —devo ser um péssimo chefe!) foi para o médico com suspeita de pneumonia. Acharam um coração duas vezes maior que o normal. Descartada a Doença de Chagas, a causa é desconhecida. O fato dele ter virado funcionário público, cumprir horários, ter resolvido abrir um negócio "nas horas vagas" e estar no início de casamento (não que eu seja contra o casamento, até porque sou casado há 11 anos - mas tem aquele período de tensão inicial, principalmente pra quem sempre morou com a família) nem sequer foi mencionado.

Um jovem amigo de academia, com 28 anos, teve as famosas Síndrome Metabólica e Doença Celíaca. Por coincidência, justamente quando assumiu a empresa familiar e estava pra se casar.

Outro amigo, esse uns 49 anos, depois de alguns problemas e de idas e vindas a 'especialistas', foi diagnosticado com, claro, Síndrome Metabólica (ok, a Gota veio de brinde). As origens, bem,  são desconhecidas.

Todas essas pessoas me conhecem ou conheciam, um vagabundo assumido.
Não, não dependo de ninguém, nem nasci rico.
Apenas trabalho o mínimo pra me manter vivo e disponibilizo o máximo de tempo pra mim e para as pessoas que gosto, ainda que ultimamente em reclusão.
Em nossa sociedade doente eu sou um vagabundo e mal sucedido. Quase um marginal.
Não que eu não tenha meus conflitos e angústias, O Coisa, por definição, é duro por fora e mole por dentro, mas essa infelicidade crônica que transparece em muitos, e acima de tudo, essa ilusão do trabalho, do status e da seriedade da vida eu já joguei fora faz tempo.

Um cliente ficou estarrecido quando respondi à sua pergunta: "mas você não quer crescer?" (no sentido empreendedor) com um lacônico "não". E quase infartou quando respondi à próxima: "mas você não deseja comprar nada?" (hesitei um pouco para ter certeza) com outro "não".
Só faltou jogar sal grosso e água benta em mim.

Não vou entrar em discussões teóricas sobre sociedade de consumo, fetiches e status.
Quero ser mais prosaico. Isso é quase um desabafo. Acho que é apenas um desabafo.

Todos, razoavelmente cultos e instruídos, concordavam comigo sobre a idiotice que é esse ritmo absurdo de trabalho, essa desnecessária necessidade de consumo e essa falta de sentido na vida (o Monty Pyton é mais cômico com isso, mas não menos provocador).
Alguns diziam invejar o meu modo de vida e riam quando eu contava minha fábula do demônio pós-moderno.
   
Eu falo a eles que o nosso demônio, vulgo sociedade, é mais sádico e cruel que o das fábulas.
O das fábulas te fornece prazeres infindáveis durante a vida e cobra "apenas" a sua alma.
O nosso não te dá nada, fica com a sua vida e promete uma velhice supostamente mais segura.

Contudo, psicoticamente todos continuaram sua insanidade temporária. Ela costuma durar uns 75 anos apenas.
É possível que alguns atribuam a maus espíritos, mau olhado, Deus ou qualquer outra bobagem do gênero. Acho que essa educação desgraçada que temos emburrece mesmo os mais instruídos para alguns assuntos e,  principalmente, para a sua autoestima, que requisita suas comprinhas tolas, a frustração generalizada que requer certos mimos compensatórios e algumas distorções entre o que se quer e o que se deseja.

Sobre os diagnósticos e a medicina, lembrei do Raul Seixas e "Dr. Pacheco". Singelo. Simples mesmo. Maravilhoso.

Novamente, não quero entrar em discussões filosóficas sobre a morbidez dessa vida. Parece algo paradoxal, mas não há necessidade de ser um gênio para perceber a obviedade e a clareza disso.

É um desabafo puro e simples.
Um luto pelos que já se foram de fato e pelos que já não vivem mais.


"A moral do 'bem-estar consumista' nem nos trouxe alento nem consolação. Antes, vivíamos para a felicidade que, raramente, chegávamos a ter; hoje, matamos para continuar tendo a infelicidade que já temos." - Jurandir Freire Costa

5 comentários:

  1. Ô seu Coisa, o que há em comum nesse seu grupo de amigos é serem seus amigos. Sei lá, entende. Bem, tenho sido contaminada pelo bichinho do trabalho autônomo, sem trânsito, acordando ao meio-dia, mas também enfrento recaídas e me vejo em desespero por um emprego. Por enquanto é isso, me divido entre o medo de ser autônoma e o desejo de um emprego.

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  2. Ish, então O Coisa faz mal a saúde? Devo avisar ao Ministério da Saúde?
    Eles são a minha amostragem. Nada científico mas muito significativo.

    Vivo como mendigo chique (angström-empresário) há anos, ou seja, com as sobras do que os vorazes deixam escapar. Fui educado nessa pocilga de sociedade e também constantemente há "treta" (adoro essa palavra) entre a ideologia e a educação.

    Posso não estar certo, mas é melhor a incerteza e o conflito do que a certeza de que a tríade emprego/filhos/'casamento-sério' é o correto. E os números, mesmo que em pequena mostragem, mostram algo.

    No mais, meus amigos estão acostudados com o jeito do Coisa. Derrubo um prédio de raiva, mas nada além de preocupação e afeto puro e simples. Sem grandes teorias sociológicas ou antropológicas.

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  3. ... lembrei de outro dado...
    Um admirável amigo meu, foi 'empregadão' (se atendo a esse detalhe) por anos. Desses que faz carreira mesmo. Gerente de marketing de multinacional e tal.
    Ele se disfarçou bem entre 'eles'...

    Nunca se levou muito a sério. Nunca achou que aquilo era nada mais além do que um meio de faturar um troco. E principalmente, nunca deixou de ser ele mesmo.
    Se precisasse tomar um 'rabo-de-galo' no boteco com os amigos, o 'poderoso executivo' (pro outros) ia na boa.

    Quando ele falou em largar tudo eu lembro de falar pra ele que era a primera vez que alguém me surpreendia (de modo positivo claro).

    Finalmente o dado da minha "pesquisa": até o momento ele não sofre de nenhuma doença de causa desconhecida ou "doenças da civilização" (F. Capra).

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  4. Você tem razão.

    Somente que é preciso equilibrar isso com astúcia, para que a falta de dinheiro não se torne uma limitação existencial (e pode sê-lo). Estar na vida sem acreditar nela. Esta é a fórumula do D. Juan do Castañeda, e ela dá conta da necessidade de ardil para operar as coisas, sem, contudo, ser prisioneiro delas.

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  5. Pois é Ivan, o Frejat canta algo semelhante.

    Mas devido a nossa educação, parece que esse equilíbrio sempre tende pra um lado, e ainda nos causa culpa se não queremos "vencer".

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