sexta-feira, 1 de maio de 2015

Representatividade e alternativas de vida - Parte II

Eu tinha um (pré-)conceito a respeito das ecovilas, ignorante no assunto achava que era algo meio hippie. Estudar é romper (ou não) com seus próprios preconceitos.

A ideia não é nova, mas na modernidade foi um movimento mais sólido a partir dos trabalhos da Gaia Trust na Dinamarca em 1987 por Ross e Hildur Jackson e com grande contribuição/parceria com Diane e Robert Gilman (Context institute).
O movimento foi tomando forma e mais pesquisadores foram se juntando para definir o que seria um formato básico de uma ecovila.
Em 1995 nasce a Global Ecovillage Network com 400 pessoas ao redor do mundo.

Esse movimento não é pontual ou centralizado.
Ele tem um marco principal, mas estava pipocando ao redor do mundo e esses agrupamentos foram se conhecendo (a internet teve papel fundamental nisso), trocando experiências e conhecimentos.

Resumindo, atualmente as ecovilas se baseiam nas ideias centrais desses agrupamentos, muitos dos quais contribuíram para gerar a Agenda 21 e Agenda Habitat.

Os objetivos básicos quanto ao habitat são (da compilação de Marcelo Bueno - IPEMA):

  • Oferecer a todos habitação adequada;
  • Aperfeiçoar o manejo dos assentamentos humanos;
  • Promover o planejamento e o manejo sustentável do uso da terra;
  • Promover a existência integrada de infra-estrutura ambiental: água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos sólidos;
  • Promover sistema sustentáveis de energia e transporte nos assentamentos humanos.Promover atividades sustentáveis na industria da construção;
  • Minimizar o máximo possível o impacto ambiental no local e fora dele. Quando compramos madeira, nem pensamos que estamos pagando para alguém ir cortar arvores na região amazônica, estamos contribuindo com o desmatamento de uma das mais importantes reservas naturais do planeta. A região sudeste do Brasil segundo uma pesquisa realizada em 1997 , consumiu mais madeira de lei que a França, Inglaterra e Estados Unidos juntos no mesmo ano, e representou o consumo de 85% a nível nacional; toda esta madeira veio da região amazônica;
  • Utilizar o máximo possível materiais que existe no próprio local da obra. No local da construção sempre temos material disponível, em alguns lugares teremos pedras, em outros madeira mas quase em todos teremos terra que é um material muito usado a milhares de anos na construção.
  • Utilizar o mínimo possível materiais industrializados, dar preferência a utilizar material reciclado. O material industrializado consome muita matéria prima da natureza para sua fabricação e desta fabricação se produz muita poluição, se utilizarmos o máximo possível material reciclado estaremos barateando nossa construção ao mesmo tempo que diminuímos nosso impacto ambiental.
  • Ser o máximo possível autossuficiente em energia , água e alimentos. Hoje já estamos sentindo que o fornecimento de energia esta entrando em colapso e com isto ficando mais caro, com a água vai acontecer o mesmo, nós temos que descentralizar nosso consumo e sermos o máximo possível auto suficientes em energia, água e alimentos. 
  • Reciclar o máximo possível os resíduos produzidos pela construção, águas servidas, e lixo produzido no nosso dia a dia.
Fácil notar que nada disso faz com que se more numa "caverna" sem saneamento básico, água encanada, luz elétrica e telefone/internet (algumas muito isoladas dependem de rádio) como pensaria o senso comum preconceituoso.

As moradias atuais que usam técnicas de arquitetura orgânica e bioconstrução são superiores a alvenaria tradicional no que se refere ao conforto térmico e acústico, além de equivalentes no que se refere a segurança e salubridade, apenas não tem a "cara certinha" que estamos acostumados.

Para cumprir com esses objetivos e alterar a dinâmica social da comunidade (do modelo individualista e competitivo para o modelo colaborativo e solidário), alguns pontos principais são comuns a todas as ecovilas:

  • Ter um número próximo entre 30 a 60 pessoas (importante para concluir todas as tarefas do espectro humano no contexto da comunidade);
  • Haver ligação afetiva entre as pessoas (processo que pode ser construído ao logo do planejamento);
  • Comunhão de pensamento no que se refere ao bem comum e à coletividade (o que não impossibilita a vivência e o espaço privado);
  • Tolerância com as diferenças e prioridade na solução de conflitos;
  • Democracia direta total (o que não impede a adoção de lideranças temporárias);
  • Disposição para trabalhos manuais (lembrando que brasileiros típicos tem enorme preconceito a trabalhos "braçais");
  • Manutenção e recuperação de áreas de mata nativa, muitas vezes incluindo uma RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Natural);
  • Área de agricultura (sempre dentro do conceito da permacultura);
  • Área de atividades comunitárias (sociais, culturais e práticas);
  • Integração com a comunidade local (responsabilidade social e não isolamento);
  • Incentivo a soluções de compras coletivas, transportes solidários e trocas (de objetos e serviços);
  • Conceito de propriedade e posse coletiva na grande maioria dos casos.

Desses pré postos pode-se perceber facilmente que uma ecovila NÃO É um condomínio fechado com viés eco e muito menos um clube de campo.

Dentro das características comuns, cada comunidade tem suas orientações. Existem as com viés religioso, as preponderantemente rurais, as tecno-racionais, e por ai vai. Cada ecovila tem a sua "cola" (viés ou orientação).

Dependendo da cola da comunidade, alguns moradores vivem (no que se refere à subsistência) exclusivamente da e para a comunidade, outros tem atividades profissionais externas e alguns fazem um mix dessas realidades.

De um modo geral, no que pude constatar, o público tem um ótimo nível cultural e uma boa convivência. É um conjunto eclético de pessoas (professores, arquitetos, aposentados, agricultores, engenheiros, terapeutas alternativos, donas de casa, programadores, etc.) que se uniram com o objetivo de uma vida melhor, mais comunal e ética (tanto no que se refere ao trato humano como ambiental). As nacionalidades também são variadas.

Atualmente o embasamento legal é bastante sólido e já se trabalha em projetos que garantam legislação específica.

No geral, as ecovilas garantem o espaço privativo, portanto, a privacidade e os direitos individuais de escolha neste espaço (religião, sexo, alimentação, etc.). Devemos atentar para o fato que isso deveria ser válido para qualquer comunidade, inclusive a que tradicionalmente conhecemos como bairros e cidades, porém, nestes casos todos propositalmente se "esqueceram" das regras sociais e de ocupação do solo e arquitetura (o código de obras municipal em geral é solenemente ignorado, assim como o "direito" a fazer o que se bem entender dentro de uma residência frequentemente ultrapassar o direito dos vizinhos).

Como as comunidade são pequenas, construidas desde o início com pessoas com pensamento em comum nos pontos críticos, com valores humanos mais decentes e com um estatuto formal democraticamente acordado, a boa convivência é mais fácil.

Na próxima parte vou postar algumas questões sobre o ideal idílico e a realidade humana...









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