Perdi meu pai com 5 para 6 anos, antes de descrever algumas sensações que vagavam constantemente na minha mente durante a infância e a adolescência, passarei algumas semelhanças interessantes que descobri recentemente - claro que nunca me achei "especial" e muito menos tenho a pretensão de sequer esbarrar na grandiosidade dos citados.
O físico Marcelo Gleiser perdeu a mãe com 6 anos, e segundo ele mesmo, sua infância e adolescência foi marcada pela busca do significado do tempo, e por motivos óbvios, amadureceu já com boa noção de finitude.
A parada na Física foi consequência natural.
O físico Ronald Malley perdeu seu pai com 10 anos. Seu sonho de infância era construir uma máquina do tempo e salvar seu pai.
Hoje trabalha numa "máquina do tempo", nada cinematográfico ou fantasioso, mas, de início, tenta "desviar no tempo" alguns elétrons.
Os pais são o que mais próximo experimentamos do Criador.
Calma lá, sou ateu, é uma afirmação com base psicanalítica.
Mas enfim, quer queiramos ou não, por bem ou por mal, crescemos com base neles e querendo corresponder aos anseios dos "deuses", portanto, perder um deles é se confrontar com a mortalidade da divindade.
Pra mim, o tempo e a morte sempre foram coisas estranhas e interessantes. Nada mórbido ou suícida.
A noção de finitude cresceu comigo, e "perder tempo" sempre foi algo que me horrorizou.
Associado à hiperatividade foi o caos.
Nunca gostei de ir no cinema pois achava que poderia estar perdendo algo, e assim foi (e ainda é, apesar de um controle mínimo da maturidade) com qualquer outra coisa. Imaginem a dificuldade de estar escrevendo...
Sempre quis viver cada segundo, e talvez por isso, tenha perdido muitos.
Cresci sabendo que a riqueza do tempo não pode ser comprada, ganha, doada ou alugada, talvez por isso o "sucesso" material nunca tenha me seduzido, e fico entristecido com amigos que jogam fora suas horas preciosas numa corporação, juntando porcarias para um futuro que não existe.
Na adolescência busquei freneticamente a minha herança. A que interessa de fato, o caráter.
Não quis ter apenas a minha imagem do meu pai, quis saber dos outros. Queria ter certeza de que, com todas as deficiências humanas, ele tenha sido, no seu âmago, um homem bom.
Bom?! Simplesmente gentil e preocupado com as pessoas queridas, e acima de tudo, generoso. Gostamos mais de comprar coisas para os outros do que para nós mesmos, aliás, nunca consegui responder à pergunta de um cliente meu: "Mas você não quer nada?".
Não entendeu a "senhora de cetim"?
Bom, um DDA famoso chamado Raul Seixas, assim descreveu a morte: "Vou te encontrar, vestida de cetim, pois em qualquer lugar, espera só por mim."
Tenho também uma questão não resolvida com o tempo, que acabou numa reação oposta à sua: em vez de atividade, eu cultivo a inatividade. E trata-se de um cultivo com empenho, porque acho praticamente um desaforo ter que fazer alguma coisa, ter que abrir mão do ócio em função de alguma obrigação (e, a rigor, tudo tem um ar e obrigação para mim). :))
ResponderExcluirNão sou grande coisa para tecer comentários. Quando gosto de algo, gosto e pronto. Gostei muito do que li aqui. Aprendi que o tempo é mera criação humana, mas que a finitude é real. Aprendi também que mais do que bens, bens afetivos. Parabéns pelo texto. Recomendei no Twitter.
ResponderExcluirA "inatividade lucrativa" em nossa sociedade é raridade, além de mal vista. Poucos sabem o que fazer com ela.
ResponderExcluirBertrand Russell e Domenico Demasi escrevem sobre essa benção, essa fonte de criação.
Como surgiria a Relatividade por exemplo?
Como esse DDA famoso poderia executar seus famosos "experimentos mentais"?