quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Pensando com Zizek

Este deve ter sido um dos melhores livros que li nos últimos tempos.


Não tenho nenhum ganho financeiro nem direto nem indireto
o que invalida a hipótese de pirataria, e no mais,  a divulgação livre
de conhecimento só é impedida por crápulas amorais e desprezíveis.


Zizek é realmente um pensador de primeira linha.
Sua navegação entre diversas áreas (me parece um TDAH "funcional"! :oD) de maneira tão arrojada e profunda é de tirar o fôlego. Vai da psicanálise à dialética hegeliana num pulo, e de religião ao cinema em outro.

Falar mal do capitalismo hoje, entre os que pensam, já é chutar cachorro morto. A questão interessante fica em analisar como ele passa de um conceito econômico para uma cultura e, mais ainda, para uma religião (e seu deus mercado).

Utilizando a distribuição nos moldes das 5 fases do luto (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação da Dra  Elisabeth Kubler-Ross), Zizek nos leva a compreender como aceitamos a "solução" capitalista, como ela vira uma cultura transformando suas falhas em possibilidades de lucro, como ela encampa e destrói a política social transformando a política clássica modificadora num mero dogma de política econômica (a era da não política como lembra Bauman) e como isso nos levou a uma sensação de ausência de alternativas e aceitação resignada da condição de precário (o precariado, a nossa classe que substituiu o proletariado).

Revisitando Marx como estudioso respeitado do autor que é, se valendo de sua imensa bagagem em psicanálise lacaniana (é seu "berço" profissional e acadêmico) e da expertise em Hegel como filósofo que também é, Zizek nos brinda com sua barbara análise da nossa transição da modernidade para a  pós-modernidade(?) de maneira profunda e repleta de ótimas referências (seus pitacos nos originais em alemão de Marx e Freud por si só já são uma marretada).

O capítulo da "Barganha" ("Retorno da crítica da economia política'") é um pouco "pesado" para quem, assim como eu, não é um profundo conhecedor de filosofia (mas nada que paciência, releituras e verificação da biografia não auxiliem) e o da "Depressão" ("O trauma neuronal ou o surgimento do cógito proletério") é um pouco sombrio em sua demonstração do tipo de ser (não) humano que a maioria está se transformando (o mar de filmes de zumbi que apareceram nos últimos anos não são mera coincidência), o consumidor que vira também uma mercadoria em si; "aquele que sobreviveu à própria morte, o que vive sem viver".

Sua critica à "democracia ocidental" é muito contundente.
Se de fato esta "democracia" representa os interesses burgueses e fatalmente sempre contorna o problema central, é totalmente previsível (assim como Bauman também descreve) nossa era 'apolítica' e nossa guinada conservadora. 

Nessa obra se compreende alguns porque's de Zizek ser controverso em seu próprio meio, o acadêmico. Ele crítica brutalmente os intelectuais de esquerda acomodados que, no fim, apenas adoram discursar o apocalipse confortavelmente instalados em suas salas de pesquisa.

Também é interessante compreender porque ele critica a "tolerância" (sendo super sintético, ele demonstra que a "tolerância" nada mais é que a transcrição da privacidade burguesa do espaço privado nas relações humanas e não é de fato a vivência da diferença em sua plenitude) e o "politicamente correto", que impede o debate e gera a "mudança possível" (qualquer semelhança com a esquerda brasileira a tempos atrás e aos demais liberais no mundo ocidental não é mera coincidência), que no fim é uma não mudança, já que o impossível deixa de sê-lo quando está em curso.

Isso não é uma resenha. Não estaria apto a fazê-lo.

É um convite aos seres pensantes e por consequência viventes a encarar essa "jornada em Zizek e à nossa matrix".




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