domingo, 27 de julho de 2025

Sem grandes rupturas não há mudança

O tempo e o espaço estão entrelaçados.

Não estou falando sobre a Teoria da Relatividade Especial de Einstein.

Na sociologia (da qual não tenho nenhuma expertise)  intuo que sim também.

Pincelei algo no meu post anterior, mas andei refletindo um pouco mais agora tendo um pouco a mais de experiência "espaço-temporal" num ambiente rural, de horizontes abertos.

Nesses anos todos de "grupinhos", gente "bacana alternativa" e "intelectuais que não saem da bancada", o que mais ouvi - com pequenas nuances no discurso, uns menos sofisticados e outros mais prolixos - foi que são as micro rupturas é que abrem espaço pras mudanças.

Olhando pra trás e analisando minha reflexão sobre esse "espaço-tempo sociológico", definitivamente não concebo que micro rupturas mudem algo numa ideologia capitalista tão arraigada, que coopta tudo, do desejo aos sonhos, do espaço ao tempo. Essa última extorsão, em especial, na nossa sociedade acelerada (Hartmut Rosa) é altamente representativo.

Mas me debrucei sobre o espaço.

Sem o espaço físico, o tempo não se liberta totalmente.



Qualquer um que já foi, por exemplo, em cassinos ou casa de bingo, nota que os espaços devem ser cuidadosamente estudados para que o tempo seja muito bem direcionado.

O aumento do espaço físico e do horizonte, sob a ótica do aumento da independência individual ou em comunidades intencionais é meio fácil de notar, mas como ele tem o poder de quebrar os domínios da lógica capitalista deveria ser melhor estudado.

Com esse horizonte aberto, a cooptação do capital sobre o tempo, o desempenho, as obrigações inúteis e o tempo ego narcisista começam a ruir. Sem os detalhes todos dos sutis controles, desde o horário do caminhão de lixo, do supermercado, do ir e vir urbano dos horários de rush, etc, esse domínio vai ruindo.

Os tempos do Sol não são muito exatos numa miríade de belos sons e belas imagens num ambiente mais amplo e distante das referências urbanas.

O tempo começa a ser dar bem com você novamente. As experiências começam a voltar a um tempo neuronal mais humano, as suas reflexões sobre suas cobranças indevidas de produtividade, competição, desejos tolos e falta de tempo pro outro começam a desvanecer.

Há um aumento na gentileza consigo mesmo ao abraçar essa pequenez difusa nesse espaço-tempo maior. O sentido muda, ou, até mesmo, a falta de sentido. O inútil do ponto de vista mercantil; o sem objetivo ou que se reobjetiva no processo; a conclusão que pode ser o inconcluído.

Talvez seja meu cérebro TDAH que seja deficitário (apesar de gostar dele assim 😌) e o seu, super privilegiado, consegue se abstrair no espaço exíguo. Eu não acredito e espero que você também não, pois se você perdeu o "será?" do vocabulário da auto crítica me parece que sua mente não é tão super privilegiada assim.

Alinhavando (eu acho) o título, esse "espaço-tempo sociológico" me reforçou a suspeita que pequenas rupturas nada fazem ao status quo. O capitalismo simplesmente se apropria delas. Seja o plantar da muda que vira um curso de permacultura ou pior ainda, uma visita ao garden da cidade; seja a reuniãozinha de trocas de sementes que vira capital social; seja o mutirãozinha de "gente bacana" que se vai 'quando se tem tempo'.

Sem se aventurar nesse espaço-tempo amplo, temo que não há esperança pra mudança.



A mas eu preciso sobreviver...
Bom, não sei se isso é argumento, sobreviver é algo subjetivo, e nossos desejos - reforçando - foram cooptados pelo capital. Fuga, auto sabotagem, desculpa ou simplesmente amoralidade. Possivelmente um pouco de cada.

Essa é a ideia da imersão no espaço-tempo capitalista: fazer você acreditar que não há saída e com isso, a zona de conforto, a naturalização e a auto alienação fazem o resto.


quarta-feira, 19 de março de 2025

10 anos depois. Grupos e outras considerações

Voltei a escrever pra ninguém, pra deixar esse feedback pra mim mesmo.

E lá se foram mais de 10 anos após conhecer ecovilas e comunidades intencionais.

Já postei sobre o assunto várias vezes, começando mais ou menos por aqui e aqui.

Resumindo antes de continuar: ainda acho a única saída pras pessoas e principalmente para o planeta, digo, a vida.

O que se passou nesses anos?

Quando resolvi vender meu único bem pra viabilizar isso, eu tinha duas frentes: comprovar que as pessoas (generalizando) são "fogo de palha" e, obviamente, tornar meu ideal uma realidade.

Muitos grupos diziam (dizem) que só faltava a grana pra 'acontecer'. Meu primeiro ponto. Quando levantei a verba, tchan! Muita gente enrolou aqui ou ali. O que queriam era apenas a masturbação mental da vida no campo.

Eu já escrevi sobre a dificuldade das pessoas em restaurar um senso de comunidade, principalmente que o coletivo tenha alguma prioridade em suas vidas e que o diálogo (incluindo frustrações, negativas e conflitos) seja de fato amplo.

Mas percebi um complicador adicional: muita gente não tem a menor ideia sobre si e o que querem.

Hartmut Rosa definiu bem: auto alienação.

Claro, diremos, "ah, mas isso eu já sabia". Bem, esses mesmos que "já sabiam" não sabem de si.

Mesmo o mais riponga dos caras pode sair (sair mesmo) culpando os outros.

E tem os sujeitos que dizem barbaridades como "eu quero viver como um mendigo", numa tentativa de fazer um marketing pessoal da sua simplicidade. Além de um desrespeito a quem passa por tal situação, tem a mentira descarada sobre si mesmo. Resultado: desistem e "saem atirando" ou permanecem como espectadores.


A terrinha

Mas entre idas e vindas, a terrinha está adquirida, minha casa construída e eu virei um neo-rural.

O grupo? 
Bem, capenga.
Uns como eu disse "saíram atirando" e outros porque sua individualidade sempre será mais importante. Note, coletividade e individualidade são um equilíbrio complicado e sempre será uma balança difícil, mas se a comunidade fica sempre por último, é certamente um mal sinal. Não sou letrado, mas dá pra intuir começando com Freud, Bauman, Bell Hooks...

Quem ficou ainda tateia suas escolhas e tem o coletivo como algo que está sempre na última linha de suas prioridades.

Pessoalmente sigo tocando o barco.

Meus estranhamentos só foram nas minhas próprias sensações.

Nunca achei que só seriam flores, vida bucólica e idealismos infantis de "vida natural", aliás, por ser cético sempre fui acusado de pessimismo e até de "energias negativas" sabe-se lá que bobagem é essa.

A tal natureza (isso que convencionamos chamar de natureza) é indiferente a nós e, portanto, apesar da vida incrivelmente prosperar quando não é perturbada, ela não prospera como desejamos ou sob nossa vontade. A morte e a dor estão sempre à espreita.

Mas se vc aceitar isso, a experiência vale a pena sim. E muito.

E vc vai entender que a morte não está à espreita na cidade, vc já está morto nela e não sabe; a dor é constante na cidade, vc que a naturalizou. 


Aprender é a primeira satisfação. Uma miríade de coisas numa sala de aula real da vida real.

Desde o acompanhamento da fauna e flora à resolução de problemas cotidianos que requerem técnica e ferramentas. Daria pra escrever capítulos nessa parte.

Suas necessidades mudam (e tem que mudar mesmo!) e seu senso estético e higienista também.

Mas a sensação de reconexão com o "tempo lento" e o "espaço aberto" é algo meio inexplicável.

Esses dois 'fatores' (pra quem sabe contemplar e aproveitar) afetam nosso pensamento e afetos de maneira estranha. As dimensões se ampliam e a linearidade de uma vida de trabalho/consumo se dissolvem. E não é possível quebrar esse ciclo na cidade, local hermético, sólido, linear, setorizado e, em todas as interpretações, sem horizontes.

Só isso já bastaria pra compensar as "inconveniências" (o que a sua zona de conforto e a naturalização solidificaram como conveniências) da vida rural.

E se o seu 'grupo' da cidade se esfarela, um grupo local se forma quando vc é solicito e amistoso.

Com a exponencial degradação ambiental, mais e mais faz sentido readquirir (um pouco) de poder e independência, coisa só possível pra quem tem terra.

E dizer que se trabalha mais no campo só pode ser compreendido se a afirmação se refere a um empregado/explorado do agronegócio ou se vc acha "natural" a exploração da vida mecânica na cidade e sua miríade de doenças civilizatórias. Como dizia Masanobu Fukuoka, gosto da minha agricultura porque trabalho pouco.


Seriam muitas páginas a escrever numa época que só se lê mensagens de whatsapp e tweeter. Enfim, quis alimentar meu diário tantos anos depois.