terça-feira, 20 de outubro de 2015

Mutirão, oficina, trabalho voluntário

Achei que tinha ido a meu primeiro mutirão.
O evento não foi chamado de mutirão, mas de oficina. Dependendo da definição pode se julgar que não foi uma coisa nem outra. Se o meu relato for confiável julgue você mesmo.
Além de cética óbviamente é uma análise pessoal.
 
De maneira geral sempre achei os mutirões, que não são novidade nenhuma, muito positivos. São pessoas se organizando pelo bem comum ou individual, se livrando das garras da iniciativa privada, do capital e do monetarismo e, mais importante, criando um senso de comprometimento e união da comunidade em torno de assuntos de seu interesse.
 
Essa oficina foi organizada por uma ONG de Santos que organizou e mobilizou as pessoas em prol de uma comunidade em Itanhaém, litoral sul de SP. Basicamente foi (no momento desta redação está sendo e aliás há mais de uma ano) para criar um espaço público num terreno da prefeitura, limpando, plantando, criando um lago, um campinho, arquibancada e áreas de jogos com mesas, cadeiras e pergolado.
 
Além de ajudar, as pessoas (que vem de várias cidades diferentes) também aprendem a lidar com diversos tipos de materiais e técnicas como construção em solo-cimento, ferro-cimento, estruturas com bambu (moveis e seu uso na construção), etc. Tudo depende das necessidades e do projeto em questão.
 
As pessoas que conheci são muito legais e de bom papo. Gringos, universitários, “ativistas crônicos”, “new hippies-doara”, “patricinhas que querem incluir fotos de como sou legal no facebook”, etc. Um senhor de 81 anos também foi, o que não permitiu que eu fosse o ancião do grupo. Aliás depois descobri que ele é de Peruíbe e pai de uma moça que conheci numa reunião da “talvez futura comunidade”.
 
Unem-se na hora moradores também, inclusive alguns que resolvem descolar um rango, água e sucos pro pessoal.
 
A organização é meio precária pois depende muitas vezes de doações, disposição de materiais e boa vontade da iniciativa privada ou pública, apesar de que isso quase que na maioria das vezes é feito à revelia do poder público.
Dado o tipo de atividade e sistema envolvido isso não chega a ser um complicador.
 
O “orientador” foi um japa (codinome ‘Peetssa’) muito gente boa e com vivências na África, Amazônia e outros lugares que não me recordo. Por coincidência ele e outro sujeito que estavam lá estão tentando uma comunidade em Pedro de Toledo, aqui perto.
 
Fizemos um aquecimento ao chegar, com alongamentos e uns lances meio yoguis-taichi-sei lá o que.
Baboseiras energéticas à parte foi gostoso, relaxante e ao mesmo tempo nos preparou bem para o trabalho.
Trabalhamos bastante numa pegada forte e bem produtiva. A orientação era do tal “Peetssa” mas a dinâmica dos trabalhos mudava constantemente até de forma meio intuitiva, quando uns cansavam de uma coisa iam fazer outra, outros faziam uma pausa pra descansar e beber água, etc.
 
Levei uns lanches pois não sabia como rolaria essa questão.
Na hora de rangar fomos pra uma escola municipal ao lado onde umas moradores fizeram umas comidas e descolaram umas bebidas, que associados ao que um ou outro levou deu um piquenique legal.
Minha pegada escrota não poderia deixar de anunciar que meu almoço continha carne pois eu sou um “vegetariano radical que só come vegetais processados por outro animal na forma dele mesmo”. Para minha surpresa não apanhei, houveram risos e outras pessoas anunciaram que mandavam um bicho morto pra dentro também. Claro que teve uma ou outra mocinha xiita que fez cara azeda de desaprovação moral.
 
De modo geral, apesar do cansaço e de uma leve queimadura solar, foi tudo legal. O segundo dia (domingo) foi no mesmo esquema mas desta vez nem levei rango e fomos ralando até às 19:30.
 
O que me incomoda então?
 
Inicialmente o nome. Creio que o mais apropriado seria trabalho voluntário e fim de papo.
 
Bem, o papo das “energias e chakras” é outro, mas isso é bastante tolerável e eu simplesmente faço cara de paisagem e emito aquele clássico ‘humm, certo’, e no mais, as atividades em si são iguais a qualquer alongamento de marombagem em si. Como eu sempre digo, um cético ateu pode ser solidário e ter compaixão, discussões inseridas na ética, matéria em discussão há quase 2500 anos (tomando como referência a Grécia antiga, pois nem estou contando outras culturas orientais ateístas ou até mesmo pré-americanas) sem a necessidade de nenhuma divindade ou demais trololós místicos, mas cada um que fale com o duende que quiser.
 
Os derradeiros e mais importantes são os “primo-irmãos” a seguir.
 
A sensação de ser um intruso na comunidade paira no ar. Os bacaninhas que participam e ajudam de várias formas são minoria, pois a maioria (esmagadora) sofre da falta de educação tradicional e da completa falta de engajamento, portanto caras de espanto e estranhamento são frequentes. Vandalismo também.
 
A desconfiança a cerca do processo das ONG`s também me acompanha. Talvez seja o viés capitalista cochichando no meu ouvido, talvez não. A ONG apresenta um projeto que é aprovado por um banco público que libera a verba, e esta realiza o trabalho com o uso quase que exclusivo de um grupo de voluntários. Sistema informado diretamente pelos responsáveis.
 
As ONG`s (generalizanto talvez injustamente) e essa “sensação de ser intruso” evidentemente estão entrelaçadas. Ao invés do projeto ser levado à comunidade (longas coversas com uma maioria e não “meia dúzia”) para que se discuta e se chegue a soluções comuns e com uma boa parte desta coletividade envolvida nas questões, essas entidades quase que vem como o “ser magnânimo que vem trazer benefícios a ela”. Esse processo verticalizado praticamente aniquila o conceito original dos mutirões ainda que sobrem boas intenções e idealismos juvenis (ou apenas alguns créditos na faculdade, pontos na empresa ou fotinhos de “como sou bacaninha” no facebook) e fatalmente gera as tais “caras de espanto e estranhamento”.
 
Nesse bolo de sensações fica aquela impressão de inutilidade do esforço, com uma ONG que (ainda supondo sua total idoneidade) organiza as coisas verticalmente de baixo para cima com o inevitável descomprometimento da comunidade e com uma grande maioria de moradores que acha uma bela merda aqueles “playboys dando uma de bonzinhos que só querem massagear seus egos”.
 
Veja, são sensações conflitantes, mas infelizmente elas tem motivos de existir.
 
No final de novembro ficarei um fim de semana num mutirão numa ecovila que já visitei.
Acho que esses mutirões se enquadram mais nos meus ideais e nos “seus conceitos clássicos”. A comunidade em questão é uma que você participa ou ao menos simpatiza, todos tem o cuidado com todos (o processo é horizontalizado) e não há influência de nenhum “grupo organizado”.
 
Enfim, o bom de ser cético é que sou cético inclusive com os meus julgamentos.
 
 
 
 
 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Uma busca, um ideal, um projeto

Continuo estudando as ecovilas e comunidades intencionais e naturalmente tive boas e más impressões a cerca delas.
As más são que em geral há um viés meio dogmático em todas, seja por religiões formais em si ou através de misticismo oriental, orientações alimentares, etc. Para um cético/racional como eu isso é um tormento.

Porém as boas impressões superam as más e no mais, antes uma comunidade de gente esperando alienígenas do que uma metrópole cheia de neo yuppies com tendências faraônicas de acúmulo e todas as atitudes não éticas ligadas ao lucro a qualquer custo.
Soma-se a isso o fato de que existem outros céticos como eu e pessoas com algumas incongruências na estrutura de pensamento mas que não querem te “converter” a suas crendices. O respeito (de fato e não o da boca pra fora) se dá quando há tolerância e  reconhecimento de que sobre tudo pode se perguntar por que, quando e como, afinal, ser um cético ateu não o impede de acreditar (a base do significado da palavra fé) em solidariedade, compaixão e bem querer, e acima de tudo, algo que começou a ser discutido seriamente bem antes de quase todas as religiões conhecidas na atualidade: a ÉTICA.

Apesar de já desgastado, dado o encampamento do capitalismo, continuarei a usar o termo ecovila para efeitos de referência do projeto da comunidade intencional.

Particularmente o que significa tudo isso? O que espero de um projeto desses?
Sem ordem de importância e sabendo que há uma segurança/garantia apenas relativa em tudo eu colocaria da seguinte maneira:
  • um espaço preservado longe das mãos do capital.
  • me desfazer da pouca coisa que tenho pois acho o conceito de particular/propriedade e herança um completo absurdo.
  • uma área com mais liberdade de ações (exemplos pífios: numa área rural posso construir praticamente o que bem entender sem as regras oficiais; posso conseguir uma fonte de água alternativa sem burocracias; posso gerar minha energia elétrica sem maiores empecilhos; posso ter plantações/criações que reduzem minha dependência do mundo monetarista).
  • um grupo que não só divide tarefas cotidianas como zela pela sua segurança e troca afeto e informação.
  • racionalizar o uso de tudo, pois em grupo se compartilha mais recursos e fatalmente se consome menos.
  • realizar projetos sociais e ambientais maiores do que os possíveis quando se faz sozinho.
  • recuperar o conhecimento ancestral e uni-lo com o moderno.

Nos meus estudos da permacultura e ecovilas e sua viabilidade no meu entorno e com as pessoas que imagino serem boas aliadas, criei algumas bases referências para este projeto. ATENÇÃO! Base de referência é um começo de discussão e não regra ou imposição.

Estruturalmente até me parece fácil, muitas referências estão bem descritas nos manuais das ecovilas e da permacultura:
  • uns 100 mil m2 de área para cada 20 famílias/grupos.
  • famílias/grupos residenciais de até 5 pessoas.
  • área privada (lote, cristal, pétala, ou seja lá como chamar essa área destinada ao morador, associado, ecoaldeano, etc) de uns 500m2 com até 200m2 de “uso impermeabilizado”.
  • acesso a água, energia elétrica e telecomunicação.
  • obrigatoriedade de tratamento dos seus resíduos.
  • obrigatoriedade de construções de baixo impacto dentro da realidade/possibilidade prática atual.
  • possibilidade de captação de água natural.
  • mínimo de 50% de área nativa para fins de preservação.
  • acesso relativamente fácil, apesar de subjetivo,  entendo como um centro urbano acessível em uns 20 minutos de veículo motorizado, já que muitos, talvez a maioria, necessitem manter vínculos com a “cidade”.
  • área comum para encontros, eventos, reuniões, etc.
  • área agrícola para uma busca da autossuficiência (aqui lembrando que acho praticamente impossível alcançar esse propósito, uso ‘autossuficiência’ como minimização de dependência externa).
  • área de criação animal (dentro do tratamento ético dos animais não há restrições em tê-las e nem mesmo em consumi-las, além de não haver restrições nos manuais das ecovilas e da permacultura, lembro que o ato de nascer já é um processo de morte e destruição e, mais uma vez, seus dogmas não devem ser encarados como verdade absoluta e nem exclusividade moral).
  • redução da “pegada ambiental” sem maluquices xiitas, afinal, de novo, estamos vivos, e isso em si já é um impacto ambiental.

É socialmente, como sempre, que me parece haver os maiores desafios:
  • sabendo que toda a ecovila bem sucedida teve origem num grupo de pessoas afetivamente conectadas, como manter esse vínculo sem obrigatoriedades? Exemplo: sabemos que eventos sociais são os “adubos” do vínculo afetivo, mas como tê-los sem a rigidez de encontros obrigatórios para isso ou aquilo?
  • tendo cada pessoa algumas habilidades e ou condição física específicos, como evitar que se criem os mesmos vícios atuais da monetização de tudo, ou seja, o risco de alguém virar uma espécie de “subempregado” dos demais?
  • sabendo que na diversidade podem haver pessoas que morem e vivam integralmente na ecovila bem como as que trabalham integralmente fora e as que misturam ambos, como conciliar as contribuições de todos para a ecovilas sem cair na monetização da questão?
  • como evitar que pequenas desavenças (e sempre são pequenas) virem uma mágoa desestabilizante?

Enfim, dadas evidências históricas e as experiências presentes pode-se dizer que há solução e ou consenso para tudo.
Confuso, dinâmico e cheio de “mas”, “se`s” e “talvez”, mas um início de discussão.


Nestes 3 posts tem um pouco mais sobre o que li/interpretei das ecovilas, etc:

http://coisafilosofica.blogspot.com.br/2015/04/representatividade-e-alternativas-de.html
http://coisafilosofica.blogspot.com.br/2015/05/representatividade-e-alternativas-de.html 
http://coisafilosofica.blogspot.com.br/2015/05/representatividade-e-alternativas-de_12.html