quarta-feira, 25 de maio de 2016

A quem interessa a satanização dos impostos e o mito da austeridade

Se não aprendemos com a história antiga, talvez com a recente... a falácia da satanização dos impostos e o mito da austeridade...

Nem os liberais toleram os ultraliberais... se voe não entende deveria reler Adam Smith e claro incluir seus ensaios sobre a moralidade humana...
 

Em busca dos booms perdidos –Paul Krugman

23/5/2016 – Da Folha (antes que proíbam de acessar...)
 
Se Hillary Clinton vencer em novembro, Bill Clinton ocupará um papel duplo único na história política dos Estados Unidos, tornando-se não só o primeiro Primeiro Marido, mas também o primeiro Primeiro Cônjuge que um dia foi presidente. É evidente que ele não passará seu tempo fazendo bolos. O que ele fará, então? 
 
Na semana passada, Hillary Clinton causou muitos comentários ao sugerir que Bill Clinton teria como tarefa "revitalizar a economia". Pode-se entender por que ela desejaria fazer uma afirmação como essa, já que as pessoas ainda se lembram de como as coisas eram boas quando seu marido era presidente. No entanto, a forma pela qual esse papel seria definido na prática, hoje, é muito menos clara. 

Mas pouco importa. O que quero fazer aqui é falar sobre as lições que o boom de Clinton 1º pode oferecer para a administração da segunda Clinton. 

Para começar, foi realmente um boom impressionante, e de certa maneira é estranho que os democratas não falem mais sobre ele. Afinal, os republicanos evocam constantemente os milagres de São Reagan para justificar sua fé na teoria econômica do supply-side. Mas a expansão da era de Clinton ultrapassou a economia da era Reagan em todas as dimensões. Bill Clinton não presidiu só sobre uma criação de empregos maior ou a um crescimento mais rápido; seus dois mandatos também foram caracterizados por algo que esteve notoriamente ausente na era Reagan: um aumento significativo nos salários reais dos trabalhadores comuns. 

Mas por que a economia era tão boa na era Clinton? Não foi porque o presidente tivesse um toque mágico, ainda que ele tenha feito um bom trabalho na resposta a crises. O principal é que ele teve a sorte de estar no poder quando coisas boas estavam acontecendo por motivos que não se relacionam à política. 

Especificamente, os anos 90 foram a década em que as empresas norte-americanas enfim compreenderam o que fazer com computadores —a década na qual os escritórios se interconectaram em redes, na qual grupos de varejo como a Wal-Mart aprenderam a usar a tecnologia da informação para administrar estoques e coordenar atividades com os fornecedores. Isso levou a uma grande disparada na produtividade, que havia crescido apenas lentamente nas duas décadas precedentes. 

A decolagem da tecnologia também ajudou a alimentar uma disparada nos investimentos em negócios, que por sua vez produziu criação de empregos em ritmo que, pelo final dos anos 90, havia resultado em verdadeiro pleno emprego para os Estados Unidos. E o pleno emprego foi a força que causou a alta dos salários nos anos 90. 

Oh, e, sim, houve uma bolha da tecnologia no final da década, mas ela representou parte bem pequena da história e, porque não aconteceu grande alta no endividamento privado, o dano causado quando a bolha da tecnologia estourou foi muito menor do que a calamidade deixada pela bolha da habitação nos anos Bush. 

Mas de volta ao boom: qual foi o papel de Bill Clinton? Na verdade, foi bastante limitado, porque não foi ele que causou a decolagem da tecnologia. Por outro lado, suas políticas obviamente não se puseram no caminho da prosperidade. 

E vale lembrar que, em 1993, quando Clinton aumentou os impostos dos ricos, os republicanos uniformemente previram um desastre. O aumento "matará a recuperação e nos colocará de novo em recessão", previu Newt Gingrich. A economia será colocada "na sarjeta", previu John Kasich. Nada disso aconteceu, o que não impediu as mesmas pessoas de fazerem as mesmas predições quando o presidente Obama aumentou os impostos em 2013— decisão seguida pelo maior crescimento no emprego desde os anos 90.
 
Uma grande lição do boom dos anos Clinton, portanto, é de que a conclusão que os conservadores desejam que você extraia de sua constante idolatria a Reagan —a de que cortar os impostos dos ricos é a chave para a prosperidade, e que qualquer alta na alíquota paga pelas pessoas de alta renda atrairá represálias da mão invisível— é complemente falsa. 

Hillary Clinton está propondo cerca de US$ 1 trilhão a mais em impostos sobre o 1% mais rico dos norte-americanos, para pagar por novos programas. Se ela vencer e tentar implementar essa política, os habituais suspeitos farão os usuais alertas funestos, mas não existe qualquer razão para acreditar que a agenda dela prejudicaria a economia. 

A outra grande lição do boom dos anos de Bill Clinton é que embora haja muitas coisas que as autoridades econômicas possam e devam fazer para elevar os salários, a ajuda mais importante que podem dar aos trabalhadores é buscar o pleno emprego.
Infelizmente, não poderemos contar com nova disparada espontânea no investimento privado, movida pela tecnologia, para propelir a criação de empregos. Mas algumas formas de investimento privado poderiam crescer rapidamente se tomarmos medidas já muito postergadas de combate à mudança do clima. 

E, de qualquer forma, nem todo investimento produtivo é privado. Precisamos desesperadamente reparar e melhorar nossa infraestrutura; enquanto isso, o governo federal pode capturar recursos a custo incrivelmente baixo. Assim, existem argumentos esmagadores em favor de uma alta no investimento público, e um benefício colateral de uma alta como essa seria o pleno emprego, que pode produzir uma nova era de alta de salários.
Assim, Bill Clinton desempenhará papel importante caso Hillary Clinton vença? Não faço ideia, e nem me importa muito. Mas será importante lembrar o que deu certo, e por quê, no governo de Bill. 


Um pouco mais sobre o mito da “austeridade” e sobre quem vai pagar a conta novamente: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/06/opinion/1446812749_342441.html

Pois já interpreta bem qualquer Smithiano, que ser contra o ultraliberalismo não é ser contra o liberalismo: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/15/economia/1452864526_260183.html